Surgido da chamada ‘ala ética’ do PMDB, o PSDB deu ao Brasil seu (único) plano de estabilização monetária bem sucedido: o Plano Real.

As reformas feitas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso reduziram o tamanho do Estado, organizaram as finanças públicas e pavimentaram o caminho do crescimento.

Foi um Governo como ‘nunca antes na Historia deste País’, como diria seu sucessor. 

Mas no campo econômico, desde aquela época áurea, os tucanos nunca conseguiram abraçar — ao menos publicamente e sem hesitação — a pauta liberal e sua reforma mais importante, a privatização, em que pese a evidência da urgência e inexorabilidade de ambas.

Na eleição de 2006, o candidato tucano, Geraldo Alckmin, se recusou a endossar as privatizações, transformadas em palavrão pelo candidato do PT.

Onze anos depois, os pruridos do PSDB com relação à privatização continuam a pipocar no noticiário envolvendo o partido.

O caso mais flagrante é no Rio, e envolve a venda da companhia estadual de água e esgoto, a CEDAE.

Há alguns dias, a bancada estadual do partido fechou questão contra a privatização da empresa.

A decisão incendiou os chamados ‘tucanos federais’ do Estado, que têm origem na PUC e trabalharam no Governo FHC.Armínio Fraga

A economista Elena Landau, que comandou parte das privatizações daquele Governo, fuzilou no Facebook:  “Mais um pouco e tucanos cariocas vão chamar ‘privatização’ de ‘privataria’, porque ‘entrega de patrimônio’ já falam. Esses novos tucanos não representam o partido … certamente que não. Por isso o [Partido] Novo vai crescendo.”

Era um recado a Luiz Paulo Corrêa da Rocha, tucano veterano, e Carlos Osório, um cristão-novo que veio do PMDB e foi o candidato tucano à Prefeitura do Rio na última eleição.

Essa semana, Osório produziu uma imagem heterodoxa: empunhou um microfone em frente à Assembleia Legislativa e, em meio a bandeiras vermelhas, bradou que não poderia defender a venda da CEDAE “sem saber quanto vale, o que vai acontecer com as comunidades, o que vai acontecer com a tarifa social, quais serão as metas de água e esgoto.”  Dentro do partido, os críticos apontaram que a discussão da forma da venda jamais deveria ter precedência sobre o conteúdo da proposta.

Assim como muita gente sem formação econômica, o PSDB tem dificuldade em lidar com a lógica da privatização.  Por exemplo: um dos argumentos mais usados contra a venda da CEDAE é o de que ela dá lucro.

Infelizmente, quem aponta para o lucro da empresa não entende que ele esconde outra estatística:  os milhões de reais em gastos que a CEDAE impõe ao sistema de saude pública, já que boa parte da população da Baixada Fluminense depende de caminhões-pipas para beber água potável.  Além disso, milhões de moradores não possuem a dignidade de uma conexão de esgoto, porque a CEDAE nunca entregou sua obrigação básica. No Estado do Rio, apenas 64% do esgoto é coletado, e só 34% dele é tratado.  Em cidades como São Gonçalo, a vala de esgoto corre a céu aberto, convidando um sindicato de endemias que vão da zika à dengue. Por fim, a CEDAE também é aquela empresa estatal cujo fundo de pensão foi epicamente violentado pelo PMDB de Eduardo Cunha.

A dificuldade do PSDB fluminense em abraçar ideias liberais pode ser, literalmente, um pecado original: no Rio, o partido foi criado a partir de uma dissidência do PDT de Leonel Brizola, um patrimonialista e estatista convicto.

O curioso é que, mais de duas décadas depois, o PSDB hoje tem luminares como Armínio Fraga, Gustavo Franco e outros grandes nomes da PUC-Rio, a mais respeitada escola de economia do País. Apesar disso, os políticos do partido, particularmente no Rio, não parecem interessados em fazer uso deste software intelectual. O partido não se convence do imperativo de defender um Estado menor, e muito menos é capaz de articular claramente esta visão para o País. 
Gustavo Franco
A hesitação dos tucanos em defender ideias pró-mercado não se limita ao tabu da privatização.  Para muitos tucanos, a solução de um desequilíbrio fiscal vem sempre pelo lado da receita.  Corrêa da Rocha, o tucano que quer a CEDAE estatal, foi o autor de uma lei que passou a cobrar 18% de ICMS sobre a indústria de petróleo no Rio, estendendo aquele imposto à circulação do petróleo entre o poço e a refinaria. A constitucionalidade da lei está sendo questionada na Justiça.

Em São Paulo, também há exemplos de um Governo tucano que não prestigia instrumentos de mercado importantes:  a agência reguladora Arsesp adia há três anos a revisão tarifária da Comgás e, semanas atrás, adiou a da Sabesp por um ano.

Como a maioria esmagadora dos partidos, o PSDB não consegue reciclar suas lideranças. A velha guarda manda na máquina do partido e as estrelas em ascensão no cenário nacional se contam nos dedos de uma mão.

Mas algumas destas estrelas dão esperança aos tucanos de persuasão mais capitalista: em São Paulo, o prefeito João Dória fez sua carreira no setor privado e aparenta ter preconceito zero com práticas de mercado.  Em Porto Alegre, Nelson Marquezan Jr. tem se revelado outro tucano pragmático, e, no interior de São Paulo, vários prefeitos se mostram mais alinhados às ideias capitalistas do que cartoriais.

No Rio, um pequeno grupo está tentando reenergizar o partido e aproximá-lo das ideias liberais.

Pedro Duarte, de 25 anos, acaba de criar o movimento ‘Renova PSDB’.  “Eu comecei a me estressar um pouco com as posições de algumas pessoas do partido,” diz Duarte, que é formado em direito e foi candidato a vereador nas última eleição. “Sempre fui adepto das ideias mais liberais, mais capitalistas. Agora, estou tentando atrair jovens com pensamento mais aberto e chamando de volta a participar pessoas que estavam cansadas ou frustradas com o partido.”  A ideia de Duarte é atrair novos filiados a partir de palestras e eventos com os correligionários mais famosos do Estado, como Gustavo Franco, Elena Landau e Adriano Pires.

Nos últimos anos, o surgimento do Partido Novo criou uma alternativa ao PSDB, antes a única opcão dos idealistas privatistas.  É comum ver gente que foi do PSDB migrar para o Novo, e o trânsito no sentido oposto também existe.  Talvez, nesta concorrência, o PSDB um dia se reencontre com as boas ideias que levaram o partido a fazer História um dia.