A minuta em análise modifica o marco regulatório do setor e versa sobre temas como transparência de preços, a regulação dos contratos de embandeiramento dos postos e a venda direta de combustíveis.
O grande proponente da agenda é o diretor-geral da ANP, Décio Oddone. No setor, a leitura é de que, como não conseguiu apoio interno para levar essas pautas adiante, Oddone está buscando a chancela do CNPE para forçar a ANP a agilizar as medidas.
Até agora, o ‘pacote Oddone’ conseguiu uma unanimidade: toda a cadeia de combustíveis se manifestou contra, dizendo, nas entrelinhas, que a pauta é populista e mais atrapalha do que ajuda o funcionamento do mercado.
Há quatro propostas da ANP que preocupam o setor:
Transparência na precificação. Com o Brasil em chamas depois da greve dos caminhoneiros, a ANP chegou a considerar impor uma periodicidade ao reajuste de preços de combustíveis. Depois que alguns estudos mostraram a inviabilidade da ideia, Oddone desistiu da medida, e agora está propondo outra: obrigar que haja transparência de preços em todos os elos da cadeia.
Pela proposta, não só a Petrobras terá que publicar seu preço de venda, como a distribuidora terá que informar o preço praticado com seus clientes, e assim por diante, até chegar ao posto.
“Pode parecer contraintuitivo, mas o excesso de transparência prejudica a concorrência. Por que alguém vai praticar preços muito abaixo se você sabe o que o outro está praticando?” diz um executivo de uma distribuidora. “A medida só faria sentido se houvesse algum abuso de preço — e neste caso, o CADE deveria intervir e autuar quem pratica essa conduta.”
Contratos de embandeiramento. A ideia da ANP é parar de supervisionar a relação contratual que existe entre as distribuidoras e os postos de combustível — uma medida que parece tirar o Estado da vida econômica. Na prática, isso enfraquece o setor e acaba judicializando as demandas entre distribuidores e postos, gerando incerteza sobre a procedência do produto vendido ao consumidor. O Brasil tem cerca de 170 distribuidoras de combustível e mais de 40.000 postos.
Mas na prática, a teoria é outra. Para começo de conversa, virtualmente toda usina de etanol do Brasil já está autorizada a vender diretamente (os únicos requisitos previstos em lei são uma capacidade mínima de tancagem e um capital social relativamente pequeno).
Mas se todo usineiro pode vender diretamente, por que ninguém o faz? A resposta é simples: as distribuidoras agregam valor no processo de venda.
São elas que misturam o etanol com a gasolina em suas bases, garantem a qualidade do produto ao consumidor final, e otimizam os custos logísticos com sua escala e capilaridade. E — o mais relevante para um país com uma enorme ecomomia informal — é a distribuidora que recolhe os impostos em nome de toda a cadeia, a chamada substituição tributária.
“Se você tira a distribuidora do processo e joga a questão tributária para a etapa anterior, você teria que fiscalizar centenas de produtores pequenos, e o Poder Público não vai conseguir fazer isso. Seria um tapete vermelho para a sonegação,” diz outro executivo do setor.
Todas as medidas propostas pela ANP têm um tema comum: na superfície, parecem desenhadas para reduzir o preço dos combustíveis — o grande objetivo que todo político gostaria de entregar a seus eleitores (especialmente mais num país ainda em recessão).
Mas na prática, as medidas revertem eficiências que o setor já conquistou, contribuem para a sonegação — num setor que sonega estimados R$ 20 bilhões/ano — e beneficiam apenas os players mais informais do mercado.
“Entendemos que a venda de etanol hidratado diretamente das usinas produtoras irá intensificar a concorrência desleal e a perda de arrecadação,” quatro entidades que representam as distribuidoras e donos de postos disseram num comunicado conjunto. No mesmo documento, Fecombustíveis, Sincopetro, BrasilCom e Plural pedem que o Congresso aprove um projeto de lei suplementar já em tramitação que combate o “devedor contumaz de impostos.”
O setor de etanol, para ficar apenas nele, está repleto de outros problemas urgentes que demandam a atenção do CNPE — da redução da oferta de etanol com a “quebradeira” de usinas à queda na importação, dado que os preços da Petrobras estão abaixo da paridade internacional.
Mais de 90 usinas de etanol já pediram recuperação judicial, um número recorde — incluindo a Atvos, do grupo Odebrecht, a segunda maior produtora do país — e 88% do preço do combustível é atribuído ao custo do produto e aos impostos que recaem sobre ele.