Recentemente, fiquei impressionado com a entrevista publicada no Brazil Journal em que Paulo Guedes, ao lançar o YVY, seu novo fundo de transição energética, insiste que o Brasil tem um grande potencial, mas reitera que não faz parte do grupo que “abraça árvores, toma Ayahuasca e chama isso de ESG.”
Respeito Paulo Guedes como um grande profissional que promoveu algumas leis importantes e disruptivas para ajudar o Brasil na liderança da transição climática em direção a um caminho mais próspero.
Mas essa antagonização é tão sintomática em certos grupos da Faria Lima que me senti compelido a escrever. Ficarei feliz em fazer alguns inimigos dogmáticos se este texto ajudar a questionar ou reverter algumas certezas profundamente arraigadas.
Porque para produzir a mudança de que nossa humanidade precisa, não devemos ter medo de abraçar árvores. Porque, graças a Deus, essa é a vibração fundamental que tem mantido vivas as tribos indígenas que guardam nossas florestas em pé até hoje. Isso tudo enquanto muitos dos novos defensores do verde estavam fazendo negócios de bilhões de dólares em minas, agricultura intensiva e plataformas de petróleo.
Mas também porque antagonizar não é o caminho certo a seguir. Criar um lugar melhor para nossos filhos, mesmo por motivos comerciais, não deve ser uma questão de quem está certo ou errado. Deveria ser sobre o que não sabemos e sobre como reunir a maior coalizão de espíritos iluminados da história.
A oportunidade que nos é dada aqui é a de criar uma narrativa comum. Precisamos passar do debate para o diálogo, do diálogo para a cocriação. A resiliência necessária para liderar, com o nível de complexidade que temos de confrontar, exige extrema humildade e uma mente totalmente aberta.
Na verdade, todos nós já sabemos que tentar resolver os problemas atuais apenas com finanças e tecnologia não será suficiente. Mesmo que tomemos todas as medidas necessárias – e verdadeiramente não tomamos – os próximos anos se tornarão um estresse climático cataclísmico antes que o planeta possa se recuperar. Na melhor das hipóteses, isso só acontecerá na próxima geração.
Portanto, precisamos nos preparar no longo prazo para algo além de apenas dinheiro, tecnologia e sobrevivência com dor ou medo. Precisamos ter esperança, precisamos viver, precisamos de uma nova consciência coletiva.
“A ciência sem consciência é a ruína de nossa alma.” Rabelais (1493-1553)
Há muitas maneiras e caminhos desconhecidos para a regeneração do planeta, mas gosto de dividir as duas principais escolas de praticantes e realizadores em duas.
A primeira corrente é a que eu chamo de tribo das borboletas: eles reconhecem que precisamos de mais do que uma evolução. Precisamos de uma verdadeira metamorfose, uma transição radical em que deixemos de ser alienígenas em nosso próprio planeta – as únicas criaturas vivas capazes de destruí-lo – para nos tornarmos terráqueos.
A IA, a energia solar, o armazenamento em bateria ou a fermentação de precisão estão nos preparando para os momentos mais perturbadores da história da humanidade, e enquanto isso todos os nossos comportamentos destrutivos precisarão ser desafiados. Neste momento de reinvenção de nós mesmos, nossos corações, antes de nossos cérebros, devem assumir a liderança.
Trata-se de uma união instintiva para superar as turbulências desses paradigmas brutalmente mutáveis, união para ter força de enfrentar a piora das condições climáticas, que certamente ocorrerão. Essa emoção coletiva é chamada de uma nova CULTURA. O denominador comum sempre esteve lá, tão óbvio, que é chamado de NATUREZA. Todos os nossos problemas começaram quando nos afastamos da natureza, pensando que estávamos acima dela, que éramos capazes de dominá-la, livres para abusar dela. E aqui estamos nós. Essa nova cultura é sobre cooperar com a Natureza, aprender com ela. Aplicar suas regras, como somar em vez de dividir. Regenerar com beleza, em vez de consumir.
A segunda escola de pensamento é o que chamo de tribo da lagarta com asas: eles acreditam que as empresas petrolíferas e outras classes de ativos da velha economia serão simplesmente substituídas por empresas da economia verde. Para eles, as fazendas solares são imóveis com retornos maiores, a usina de hidrogênio é uma infraestrutura de energia apoiada por garantias governamentais, o reflorestamento é uma agricultura impulsionada por créditos de carbono.
De acordo com essa visão, os fundos de investimento, a tecnologia e as empresas devem trazer a mudança de que nossa sociedade precisa, ao mesmo tempo em que ganham dinheiro infinitamente, em escala. Definitivamente, esse não é um lugar para sonhadores, não é permitido abraçar árvores aqui.
Aplicada a ativos não verdes, essa é exatamente a visão que levou a economia extrativista brasileira ao ponto em que se encontra hoje, apesar de seus consideráveis tesouros naturais. Impulsionado por lucros e retornos, seu modelo é uma simples evolução do modelo extrativista de curto prazo, em que alavancamos nossos cérebros e tecnologia em direção a uma economia líquida zero. Mas continuamos a separar os seres humanos do ecossistema. Novamente, embora alguns ganhem muito dinheiro, a desigualdade continuará crescendo.
Ainda teremos de enfrentar os transtornos trazidos pelas consequências inevitáveis do aquecimento global, como incêndios florestais gigantescos, imigração em massa, pandemias, crises financeiras etc. O mercado de ações disparará para os capitalistas verdes. Sem a cultura da coluna vertebral e a visão comum, nosso mundo será dominado pela ansiedade, pelo medo e por divisões politicamente colhidas; sem dúvida, um grande caos.
De qual grupo você faz parte neste momento? A qual deles você acha que deveria pertencer?
Como podemos esperar trazer mudanças e repensar tudo, se usamos os mesmos métodos com as mesmas pessoas? Trazer novas tecnologias e muito dinheiro é suficiente?
Existe um modelo para o sul global, onde a ancestralidade encontra o futuro, onde a tecnologia radical faz parte do ecossistema junto com a natureza. Mas para obter seu poder, precisamos ouvir as folhas e passar algum tempo na Amazônia para aprender com a sabedoria ancestral e cocriar para construir as pontes, em vez de antagonizar.
Há na Amazônia o bem mais valioso de todos: o maior repositório de DNA do mundo. Isso vale muitos trilhões de dólares. E ainda está lá só porque os Yawanawás, os Huni Kuin, os Ashaninkas, os Yanomamis dedicaram gerações para preservá-lo. No final, eles foram os nossos banqueiros mais sábios e eficientes, abraçando as árvores às custas de sua própria segurança.
Este não é um momento para divisões: os líderes indígenas, os poetas, os criativos de todas as disciplinas, os cientistas e, sim, os gênios das finanças e os economistas devem se unir em uma grande coalizão. Nesse ecossistema multidisciplinar, uma liderança regenerativa e consciente da Faria Lima pode ser inestimável.
Caso contrário, a geração Z está chegando. “Z”. Essa última letra do alfabeto é a nossa última e única chance de uma nova liderança. Depois de todos esses avisos e caos, você não acha que, assim como as novas gerações, já é hora de nós, humanos, cooperarmos com a natureza?
É claro que os mais audaciosos e inovadores merecem ser mais recompensados do que os outros. E sim, mesmo quem salva o mundo deve ser o mais rico, tudo bem. Entretanto, a espinha dorsal, a base, permanecerá onde realmente pertencemos, não a Wall Street ou à Faria Lima, mas à natureza.
Vim para este País há 15 anos, não porque vi a oportunidade das plantas de hidrogênio ou solares, mas porque a riqueza insubstituível está na floresta e nas pessoas, porque era hora de inventar essa nova cultura. E o Brasil é o vórtice onde essa nova cultura deve ganhar vida.
Estou muito longe de ser perfeito, nenhum de nós é. E mesmo que eu me esforce ao máximo, todos os dias, para realmente evoluir com humildade em direção à borboleta, já sei que, depois de uma luta incansável por toda a vida, ainda estarei muito, muito longe da perfeição dos chefes indígenas que tive a honra de conhecer.
Mas, com todas as nossas imperfeições, todos nós pertencemos a essa linda humanidade e a única coisa de que precisamos é mantê-la unida à natureza.
Como podemos fingir que trabalhamos pelo que não amamos? A Faria Lima deveria se tornar uma floresta onde as árvores pudessem ser abraçadas todos os dias. As árvores também são seres vivos, muito mais sofisticados e sensíveis do que imaginamos e, com certeza, fazem parte da equação financeira e estão realmente ajudando.
Na Cidade Matarazzo, não abraçamos suficientemente o belo Pau Brasil que plantamos. Mas quando o faço, posso sentir a história deste País, suas feridas abertas e a riqueza contida nele.
Isso me trouxe a força e a resiliência para todas as nossas conquistas, bem como a certeza de que sei tão pouco – mas que, juntos, podemos trazer ao Brasil a tão merecida prosperidade baseada na natureza.
Alexandre Allard é o idealizador e fundador da Cidade Matarazzo, e co-fundador da Aya Earth Partners.