A estratégia do Governo de “taxar para gastar’ chegou ao seu limite natural, afirma Alberto Ramos, o chefe da área de pesquisa econômica para América Latina na Goldman Sachs.
Para Alberto, o estresse que fez o dólar encostar em R$ 5,70 se deveu a uma sequência de notícias negativas no campo fiscal e na gestão pública. “O mercado pediu uma sinalização, e o Governo resistiu a entregar essa sinalização. Aí levou a esse nervosismo.”
“O mercado se satisfez com muito pouco,” disse Alberto. “O Governo falou que vai cortar exatos R$ 25,9 bilhões em 2025. De onde? Por que R$ 25,9 bilhões? Onde é que está a folha de cálculo?”
Na conversa abaixo, o economista comenta também como destravar o crescimento do PIB brasileiro.
Vimos um estresse no final do semestre, o dólar subiu bastante e o Governo disse que havia um ataque especulativo. O que houve? Foi um movimento técnico envolvendo outros emergentes?
Foi idiossincrático, foi brasileiro, sem dúvida. Foi uma conexão de pequenos eventos, talvez não tão pequenos.
Começou com a mudança das metas fiscais. Não é que o mercado acreditasse nessas metas – não acreditava – já esperava e ainda continua a esperar um resultado pior. Mas o que preocupou foi a revisão das metas de 2025 e 2026. Por que uma revisão tão grande?
Houve uma percepção crescente de que o arcabouço não se sustenta a médio e longo prazo, que ele é complexo, poroso, e que não existe uma grande determinação do Governo de cumpri-lo custe o que custar.
Depois veio a decisão dividida do Banco Central, que gerou um pouquinho de estresse no mercado, não em relação à decisão em si, mas talvez à percepção de que a transição no BC pudesse levar a um equilíbrio monetário mais acomodativo.
Ninguém está personalizando isso, mas transição é transição. A gente nunca sabe exatamente qual vai ser a postura. É incerteza – e incerteza faz preço.
Na sequência veio a mudança no comando da Petrobras, a pressão sobre empresas privadas – a Vale, a Eletrobras – e no finalzinho foi a resistência do Congresso em aprovar novas medidas de aumento da arrecadação.
A sanha arrecadatória do Governo – essa estratégia de gastar e taxar – chegou ao seu limite natural. O apoio político se exauriu, e o setor privado também disse basta, chega, não dá para aumentar!
Por mais que se faça um exercício de retórica, dizendo que se trata de recomposição da base tributária, no final alguém vai pagar. No final, o Governo vai extrair recursos da economia para financiar mais gastos.
Como já há um crescimento inercial de despesas, e dada a resistência a medidas de arrecadação, o mercado pediu uma sinalização. Se você realmente está comprometido com as metas, vai ter que controlar o gasto. Vai ter que controlar a expansão do gasto e eventualmente até reduzir o gasto.
Por fim, o mercado estressou com as críticas quase diárias ao BC. Na mesma frase, o Governo se congratula de que a economia vai muito bem, gerando emprego, mas o Banco Central está sabotando a economia. Bom, se está sabotando a economia é muito incompetente em relação a isso.
O mercado pediu uma sinalização, e o Governo resistiu a entregar essa sinalização. Aí levou a esse nervosismo, o câmbio bateu em R$ 5,70, a curva estressou, até que o Governo entregou essa sinalização.
O mercado aceitou a sinalização de que haverá cortes?
O mercado se satisfez com muito pouco. O Governo falou que vai cortar exatos R$ 25,9 bilhões em 2025. De onde?
Vamos limpar o cadastro de quem recebe benefício social. Ok, mas isso já era a agenda da Ministra Simone Tebet. Onde você vai cortar? A gente não sabe o detalhe. Por que R$ 25,9 bilhões? Onde é que está a folha de cálculo?
O mercado aceitou o blefe. Acabou por se satisfazer com pouco. Mas esse episódio não foi esquecido, o mercado agora está esperando um pouco para ver, acho que ainda não está all clear em relação a essa questão.
O tema fiscal não vai desaparecer do espectro das ansiedades do mercado.
No primeiro Governo Lula, o País contou com a ajuda do ciclo de alta das commodities puxado pelo crescimento chinês. A China já não é mais a mesma. Qual deverá ser o motor da economia brasileira?
A agenda tem que ser doméstica, o País precisa ser senhor de seu destino.
Claramente existe muita complementaridade entre o modelo de crescimento econômico da China, e o Brasil como grande exportador de commodities, acaba se beneficiando com a transferência de renda do exterior.
Mas o Brasil ainda é uma economia extraordinariamente fechada ao comércio internacional. O Brasil não exporta muito, o Brasil exporta pouco. Em relação ao PIB, é uma das economias mais fechadas ao comércio internacional.
Em termos percentuais do PIB, as economias da América Latina exportam muito mais. Então uma agenda de abertura comercial, diversificar para além do Mercosul, seria uma agenda bem-vinda para criar uma plataforma exportadora mais competitiva e mais ampla.
Contribui também ter um bom marco regulatório e disciplina no manejo da política macro, que deem confiança e o conforto necessário para o investidor privado alocar capital. Não se pode cair na tentação de que o setor público pode substituir o setor privado como motor de crescimento.
Pode complementar, pode alavancar, mas, sem investimento privado, good luck! O setor público não tem capacidade de investir nessa magnitude.
Além do mais, o setor público brasileiro tem uma dívida de 80% PIB – e, olhando a trajetória dos últimos 20 anos, gasta mal. A eficiência alocativa é baixa. O multiplicador fiscal do gasto público é muito baixo. A seleção de projetos deixa a desejar.
Não existe truque. If you don’t invest, you don’t grow. Olha o crescimento da China. Algum milagre? Não. Investiu 35% do PIB por anos e anos. O Brasil investe 17%, 18%. Que tipo de crescimento você espera ter?
O problema fiscal no Brasil é um problema de estoque e de fluxo. O problema de estoque é ter muita dívida, o problema de fluxo é ter muito déficit. Essas limitações tornam ainda mais importante ter um ambiente macro e reformas que aumentem os investimentos privados.
Não é um problema sem solução. Não é preciso reinventar a roda. O milagre do crescimento é open source. Everybody can download it.