O Itaú Unibanco deveria comprar a XP Investimentos antes do seu IPO, tirando do mercado um concorrente cujo crescimento tem incomodado os bancos.

O IPO da XP está se desenhando como um dos maiores e mais concorridos do ano, com a empresa buscando um valor de mercado entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões (os números variam dependendo do interlocutor).

Mesmo se comprasse 100% da empresa — o que seria improvável — e pagasse no topo da faixa, o preço ainda seria uma fração do valor de mercado do banco, de R$ 237 bilhões.

A XP fechou o ano passado com 330 mil clientes ativos, um lucro de R$ 280 milhões e ativos de R$ 65 bilhões. Mas seu CEO disse ao Valor em janeiro que a meta é dobrar de tamanho este ano:  lucro de R$ 480 milhões, ativos de R$ 130 bilhões e 650 mil clientes ativos.

Como o negócio cresce a taxas velozes, um múltiplo ‘caro’ hoje ficaria mais razoável ao longo do tempo.

Mas a transação não poderia ser avaliada apenas com a métrica estática dos múltiplos: seu verdadeiro valor é estratégico.

O mercado estima que, a cada mês, a XP ‘roube’ R$ 2 bilhões que estavam ou poderiam ser aplicados nos bancos de varejo. Não se sabe se este número é sub ou sobre-estimado, mas a tendência de ‘crescimento disruptivo’ da XP é clara.  “Ninguém está competindo direito com a XP,” diz uma fonte que trabalha na área comercial de um banco concorrente.

Se os dois lados chegassem a um acordo, o mais provável seria o Itaú manter a XP como uma entidade em separado de forma a proteger a cultura de ‘startup’ que prevalece na casa. Seria uma repetição do arranjo societário bem sucedido que o banco fez há 15 anos, quando comprou o BBA, então um agressivo banco de investimentos.

Todo o raciocínio feito aqui em tese também vale para o Bradesco, mas Osasco não tem a mesma inclinação para M&A, nem uma experiência como a compra do BBA para servir de molde.

Para o Itaú, um acordo com a XP eliminaria uma importante incerteza competitiva para os próximos anos, no momento em que os bancos começam a se preocupar com as fintechs e o próprio Itaú trabalha para ficar mais leve.

Para a XP, a venda eliminaria as incertezas relacionadas ao processo de IPO — que neste momento parece promissor mas está sempre sujeito aos desígnios da sorte — e o peso associado a se tornar uma empresa pública, com imposições regulatórias e de transparência com investidores que frequentemente vão contra os interesses estrategicos da companhia.

A XP atraiu clientes com uma inovação relativamente simples: uma arquitetura aberta que oferece produtos de terceiros e, na média, cobra taxas de administração menores do que a dos grandes bancos.

Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas mostrou que a taxa de administração média cobrada pelos bancos em fundos de renda fixa básicos é de 1% ao ano, enquanto a taxa cobrada por gestoras independentes para o mesmo produto é de 0,4%. (Não é mágica nem caridade: como não precisa manter uma rede de agências nem é regulada como os bancos, a XP tem um custo de aquisição de clientes muito menor.)

Mais do que uma corretora, a XP é um supermercado financeiro que ganha dinheiro em todas as gôndolas: fundos imobiliários, gestão de recursos, corretagem, ‘float’ (o dinheiro que o cliente deixa na conta e não aplica), venda de seguros, etc.  Sua legião de mais de 2 mil agentes autônomos e 600 escritórios de investimento parceiros deu à empresa uma capilaridade nacional — e uma cultura de atendimento personalizado.

A venda (ou o IPO) coroaria uma trajetória que começou há 16 anos em Porto Alegre, onde os sócios Guilherme Benchimol e Marcelo Maisonnave montaram uma modesta empresa de agentes autônomos de investimentos com um ‘pitch’ de educação financeira. Com a incorporação da Americainvest CCTVM em 2007, a XP passou a atuar como corretora.

Parte do crescimento veio por M&A: a XP comprou a Interfloat e a Senso Corretora (2011), a Prime (2012), a Clear (2014) e a Rico no ano passado.  Além disso, desde 2011 a XP é dona do Infomoney, site que mistura notícias de mercado com a promoção dos produtos da casa.

O sucesso da XP tem inspirado vários players a apostar na conversão da pessoa física em investidor: nos últimos meses, a Geração Futuro (agora repaginada como Genial Investimentos) e até o BTG Pactual entraram na disputa pelas economias dos milhões de brasileiros que não têm milhões na conta.

O próprio Itaú ensaiava uma contraofensiva para tentar defender seu mercado e reter clientes, cada vez mais interessados em retornos gordos e taxas de administração magras.

O Itaú abriu sua plataforma de investimentos do Personnalité para produtos de outras gestoras. Na campanha do novo conceito, batizado de “Investimento 360”, um locutor pergunta: “Por que você não pode ter o melhor de um banco e uma corretora no mesmo lugar?”

A resposta, talvez, dependa só da XP e do Itaú.