Quando todos achavam que o New Labour de Tony Blair e Gordon Brown havia enterrado o socialismo na terra de Thatcher e Adam Smith, eis que surge um … Jeremy Corbyn.

O líder do Partido Trabalhista tem causado arrepios na plutocracia britânica ao defender a taxação de grandes fortunas e o controle de capitais, além da re-nacionalização dos serviços de utilidade pública privatizados na era Thatcher, como o transporte ferroviário.

Com a perspectiva de uma vitória do Labour nas próximas eleições, alguns bilionários que passaram a chamar Londres de “home” já estão transferindo o domicílio fiscal para países mais amigáveis, como Suíça, Mônaco ou Portugal, ou para offshores, como mostram o FT e a Bloomberg.

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As próximas eleições só estão previstas para 2022, mas caso a Primeira Ministra Theresa May fracasse em aprovar no Parlamento o acordo que estabelece as regras para a saída da União Europeia, a convocação de novas eleições entra na pauta. E aí, a volta do “Old Labour” – uma espécie de Lula antes de Palocci – é dada como certa.

Com o país dividido desde o referendo que votou a favor do Brexit em 2016, é o trabalhismo, sob a liderança de Corbyn – e não a direita, no poder desde 2010 com uma pauta de austeridade econômica – que tem dado voz aos anseios de uma população que sofre com os efeitos difusos do livre comércio e da democracia liberal.

O eleitor desconfia dos políticos à esquerda e à direita, mas como Corbyn nunca esteve no poder, ele agora encarna o político “puro, que não faz concessões”. Corbyn manteve-se na oposição mesmo quando o Labour chegou ao poder com Tony Blair em 1997, votando contra o próprio partido e mantendo-se fiel a suas convicções socialistas.

Aos 69 anos, Corbyn  é um típico político da esquerda raiz. De hábitos simples, anda de bicicleta (não tem carro), e é vegetariano. Exceção à regra, jura que nunca fumou maconha. Mas defende a descriminalização para efeitos medicinais.

Na juventude, após concluir o ensino médio com notas sofríveis, passou dois anos na Jamaica fazendo trabalho voluntário. Fala espanhol fluente e mantém fortes laços com a América Latina. É casado pela terceira vez. Sua segunda esposa era chilena, e a atual, que é mexicana, comercializa café com o selo de Comércio Justo (Fair Trade).

Em 1969, quando a maior parte da América Latina era governada por ditaduras militares, Corbyn fez uma espécie de ‘tour revolucionário’ pela região, participando inclusive de uma manifestação estudantil em São Paulo.

De volta a Londres, ingressou na faculdade para estudar política sindical, mas abandonou o curso por discordância com seu tutor.

Partiu para a militância, liderando alguns sindicatos até se eleger deputado pela primeira vez, em 1983. Venceu todas as eleições subsequentes, mantendo o mesmo assento no Parlamento.

A inclinação política veio de berço. Os pais eram pacifistas e se conheceram em reuniões de apoio aos espanhois republicanos contra a ditadura de Franco.

Em 2015, após mais uma derrota do Labour nas urnas, Corbyn se candidatou à liderança do partido, desafiando a corrente hegemônica, que preferia um candidato moderado. Foi eleito graças a uma manobra da ala mais radical, que promoveu mudanças nas regras internas e favoreceu sua candidatura. Com a vitória do Brexit no referendo de 2016, teve sua liderança colocada a prova, mas novamente sobreviveu.

Temendo alijar os trabalhadores que culpam a globalização e o livre comércio pela vida dura, Corbyn sempre ficou em cima do muro em relação ao Brexit – apesar de a maioria dos parlamentares de seu partido defender a permanência no bloco.  

(Pessoalmente, ele nunca gostou da UE:  chama o projeto de ‘neoliberal’.)

Mais recentemente, Corbyn passou a defender abertamente a rejeição ao acordo de Brexit que Theresa May vem costurando com a Europa. Confiante de que sairá vencedor, quer novas eleições para que os trabalhistas possam negociar outros termos, mais favoráveis ao trabalhador e ao meio ambiente.

A eleição de Corbyn seria a primeira vitória do Labour desde Gordon Brown, que sucedeu Tony Blair.  Mas enquanto a ascensão de Blair elevou a autoestima do país – que chegou a ser apelidado de Cool Britannia – e deu uma cara nova à velha esquerda, Corbyn é só uma volta ao passado. E isso assusta o Reino Unido.