Em quase seis décadas de vida pública, Delfim Netto se notabilizou como um frasista acurado e bem humorado; sagaz mas correto com suas “vítimas”; irônico mas respeitoso; enfim, um fraseólogo “apetrechado,” palavra que costumava usar quando queria exaltar as qualidades de alguém.
Abaixo, suas melhores tiradas, selecionadas pelo Brazil Journal.
Políticos do PSDB:
“Os tucanos têm bico muito grande e asa muito curta. Comem os próprios ovos, têm um intestino longo e cada vez que pousam fazem uma sujeira danada.”
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Karl Marx:
“Marx sempre foi o melhor professor de economia capitalista. Sua marginalização ocorreu porque ‘os barbudinhos’ de Moscou o sequestraram e o demonizaram no Ocidente. Para acompanhar o movimento do capital, não há ninguém igual.”
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Criatividade dos economistas:
“Os números, sob tortura, confessam qualquer coisa.”
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Criatividade dos juristas:
“Em geral, finíssimos argumentos jurídicos costumam esconder armadilhas para os incautos que não conhecem o poder infinito de uma vírgula.”
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Fórum de Davos:
“Trata-se de uma vitrine para expor as preocupações dos poucos milhares materialmente mais bem-sucedidos cidadãos do mundo com relação aos bilhões que não tiveram a mesma sorte.”
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Estelionato eleitoral:
“Quem já esqueceu o monstruoso estelionato eleitoral de Sarney, em 1986, que quase infartou o dr. Ulysses de alegria?”
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Itamar Franco:
“Entregou exatamente o que prometeu: as condições para a estabilização do valor da moeda. Não enganou ninguém. Provavelmente é por isso que continuará esquecido.”
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Promessas eleitorais:
“É difícil acreditar, mas tudo se passa como se a eleição exigisse o voto de cidadãos que, mesmerizados pelo marketing, são induzidos a comprar na véspera uma magnífica piscina azul e acordar com ela vazia no dia seguinte!”
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A fatalidade do voto:
“Uma das lições que se aprende na vida parlamentar é que, por força do regimento, o voto, depois de dado, não é corrigível pelo arrependimento.”
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A ascensão da direita:
“Por que Donald Trump se elegeu, apesar de sua falta de compostura e do seu viés autoritário no que se supõe ser a mais sólida democracia do mundo? Porque sua mensagem atingiu setores minoritários que há mais de 30 anos sofrem as agruras da aceitação, pelos políticos, de uma teoria do comércio internacional que há 40 anos chama a atenção para as ‘vantagens’ da liberdade comercial sem considerar que a adaptação da economia real pode levar à punição e desperdício por muitos anos do mais pobre fator de produção: o trabalho humano.”
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Globalização:
“Os economistas que assessoraram os governos venderam “ideologia” como ciência. Recentemente pesquisas empíricas mais cuidadosas mostraram que a
liberalização do comércio sem as precauções necessárias aumenta mesmo a produtividade do trabalhador que continua empregado. O problema é que, sem atenção necessária aos que deverão ser deslocados, pode gerar um desperdício do fator trabalho, acompanhado por uma inconveniente redistribuição da renda.”
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Judicialização da política:
“É evidente que a Constituição não está funcionando e que os Poderes e seus apêndices estão conflagrados desde que a leniência e a perda de protagonismo do Executivo assistiu, pacificamente, à extravagante ‘judicialização da política’ e a sua irmã siamesa, a ‘politização da justiça’. No nível atual, elas tornaram o Brasil inadministrável.”
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O que divide o Brasil:
“A divergência que hoje divide a sociedade brasileira reflete as diferenças entre aqueles que procuram um consenso majoritário produzido pela ‘democracia liberal’, dão ênfase à ‘liberdade’ e deixam a ‘igualdade de oportunidades’ para políticas públicas adequadas, e outros que insistem na imediata ‘igualdade’ e deixam a acomodação da liberdade ‘residual’ que for possível dentro de uma ‘democracia autoritária’.”
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Revoluções:
“Todas as ‘revoluções’ que procuraram a ‘igualdade’
terminaram em excessos que produziram o despotismo burocrático e a eliminação da liberdade individual, mesmo quando proporcionaram alguns serviços públicos universais em níveis modestos.”
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Mercado e Estado:
“Desde tempos imemoriais percebeu-se que a divisão do trabalho permitia a diversificação da oferta (nas feiras) e o encontro de relações de troca (preços) entre o bem que cada um produz e a multitude de bens de que necessita. É evidente que essa coordenação fundamental exige ordem, ou seja, um ‘poder’ capaz de garantir a propriedade privada e dar segurança às transações. Desde a sua ‘origem’, portanto, o ‘mercado’ exigiu algum Estado!”
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Economistas:
“A enorme contribuição dos economistas foi sofisticar o funcionamento dos ‘mercados’ nas sociedades complexas e reconhecer que, ao exigir a propriedade privada, eles estimulam as desigualdades e, por isso, devem ser bem regulados. O ‘mercado’ é, apenas, um instrumento eficiente e útil cercado de mitos criados pela ideologia.”
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Crise política mundial:
“A ‘malaise’, a crise que hoje se abate sobre os processos civilizatórios, tem origem na desregulação dos mercados financeiros dos anos 80 do século passado, que aumentou a desigualdade.”
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Momento Político do Brasil (em 2018, antes da eleição de Bolsonaro):
“O momento vivido pela sociedade brasileira é de profunda preocupação. O sentimento de insegurança econômica aprofunda-se pela sensação de que ela atingiu a própria sobrevivência pessoal. O Estado institucional parece incapaz de cumprir o seu papel mais elementar: garantir a integridade física do cidadão. A confusão é geral.”
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Abuso de poder do Judiciário:
“A ‘ordem’ que deveria ser obtida pela separação dos Poderes, pelo respeito ao devido processo legal e às liberdades individuais, sob o controle do Supremo Tribunal Federal, parece produzir a ‘desordem’, pelo abuso de poder de instituições que deveriam ser independentes, mas harmônicas e reciprocamente controladas.
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A ingovernabilidade do Brasil:
“Levamos tão longe a ‘judicialização da política’, a ‘politização da Justiça’, e ignoramos a absoluta necessidade de dar segurança jurídica, que cassamos do Poder Executivo a sua capacidade de administrar o País.”