Foram 25 anos de negociações, guerras diplomáticas, ataques populistas de ambos os lados – mas finalmente aconteceu.
A União Europeia e o Mercosul anunciaram hoje, em Montevidéu, o acordo para a aprovação do texto final no tratado comercial entre os blocos.
“O fim das negociações constitui o primeiro passo na direção da conclusão do acordo,” disse o comunicado da Comissão Europeia, a instância executiva da União Europeia.
O acordo, que precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos Congressos dos países do Mercosul, derrubará barreiras tributárias e alfandegárias em um mercado potencial de 780 milhões de consumidores e quase 20% do PIB global.
“É um acordo ganha-ganha,” disse a alemã Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, que foi a Montevidéu na cúpula do Mercosul para anunciar o fim das negociações.
Von der Leyen terá agora que derrubar as resistências que ainda existem ao acordo na Europa. A França já chamou o tratado de “inaceitável,” principalmente por causa da oposição ao acordo por parte de seus agricultores. A Polônia também está contra, e a Itália tem resistência a votar a favor.
Ainda existe, portanto, um tortuoso caminho até que o acordo seja de fato aprovado e entre em vigor.
“O que é relevante neste momento são menos os detalhes do acordo e mais o seu significado em ternos de geopolítica,” disse Sandra Polónia Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento um think tank independente.
“No caso específico do Brasil, traz o sinal positivo da perspectiva de abertura da economia. Mas, nos primeiros cinco anos, os nossos compromissos de abertura comercial não representam quase nada.”
É o primeiro acordo bilateral relevante que poderá ser fechado pelo Brasil em toda a sua história.
O texto final não foi divulgado. Mas pelo que sabe das negociações, continuarão em prática ainda diversas salvaguardas de proteção à indústria do Mercosul. As tarifas não vão cair a zero da noite para o dia.
No curto prazo, portanto, o impacto econômico é virtualmente nulo.
Mesmo se tudo der certo (dedos cruzados), serão pelo menos dois anos para ter tudo aprovado e haverá um longo período de transição para a redução de barreiras.
Para veículos a combustão, as atuais tarifas de 35% seriam eliminadas em 15 anos. Para os elétricos, o prazo é ainda maior, de 18 anos.
Mas caso haja um aumento de importações europeias que causem danos à indústria local, o cronograma pode ser suspenso. Ou seja, vai liberar, pero no mucho.
No capítulo da agropecuária, os europeus ofereceram elevar cotas de importação de alguns produtos e eliminaram parte das tarifas.
A UE é o segundo maior parceiro comercial do Mercosul, atrás apenas da China. Para os europeus, entretanto, o Mercosul é hoje apenas o 10º principal mercado. Os europeus estimaram que terão uma economia anual de € 4 bilhões em tarifas alfandegárias.
A UE se queixa há anos das pesadas tarifas alfandegárias impostas na região, além da burocracia e regulamentações que muitas vezes fogem dos padrões internacionais. Já os sul-americanos criticam o protecionismo agrícola dos europeus.
Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia – os cinco integrantes do Mercosul – importam anualmente cerca de € 90 bilhões dos europeus. É o único bloco latino-americano com o qual a UE não tem acordo.
A agenda ambiental, uma preocupação central para os europeus, ocupa boa parte do texto. Há um anexo dedicado ao desenvolvimento sustentável.
Por parte dos sul-americanos, foi assumido o compromisso de acabar com os desmatamentos ilegais e cumprir os termos do Acordo de Paris para a redução de emissões.
Haverá preferências comerciais para indústria ‘net zero’, como energia renovável e combustíveis de baixo carbono.
Ainda no capítulo ESG, o texto exige o compromisso com o desenvolvimento sustentável também no que se refere ao respeito a direitos trabalhistas.
A União Europeia colocou na mesa € 1,8 bilhão em recursos destinados a contribuir com as iniciativas de transição verde e digital nos países do Mercosul.