Alguns focarão na forma — e criticarão o ministro da economia por ter perdido a cabeça e cedido às provocações da oposição.
Mas faz mais sentido focar no conteúdo: na maratona de seis horas e meia na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), Paulo Guedes distribuiu verdades incômodas a um Congresso que ainda pega a reforma da Previdência com a ponta dos dedos, como se fosse uma fralda usada.
Ora explicando, ora berrando, o ministro avisou que uma reforma branda obrigará os parlamentares a voltar ao tema em três anos, imporá índices de crescimento pífios ao PIB e manterá a “fábrica de desigualdades” do sistema atual.
Entre mortos e feridos, salvou-se o ministro, sem qualquer apoio da chamada base governista — por enquanto, apenas uma construção teórica.
Sem ideias novas mas abarrotada de clichês enferrujados, a oposição fez muito barulho e nenhum sentido.
No mês passado, quando o ministro faltou à sessão da mesma CCJ, os oposicionistas garantiram as inscrições para dominar as três primeiras horas de perguntas. Ontem, chegaram cedo e ocuparam as primeiras duas fileiras, ficando cara a cara com Guedes, que ouvia as provocações feitas fora dos microfones.
A única solidariedade — ao mesmo tempo real e simbólica — veio daquele que o chefe de Guedes e seus filhos satanizavam semana passada: o presidente da Câmara, que chegou com o ministro e retornou duas vezes à sala para tentar baixar a temperatura.
Com uma equipe técnica eficiente na retaguarda, Guedes não deixou ataque sem resposta. Criticou os governos petistas, lembrou o impeachment de Dilma por irresponsabilidade fiscal, elogiou o Bolsa Família de Lula, chamou de fracas todas as mudanças no sistema previdenciário feitas até agora e rebateu tentativas de envolvê-lo em denúncias da operação Greenfield.
Em seu momento mais forte, ergueu um espelho para a oposição se enxergar: “Vocês estão há quatro mandatos no Poder,” cobrou. “Por que não botaram imposto sobre dividendos? Por que que deram beneficios pra bilionários? Por que deram dinheiro pra JBS? Por que deram dinheiro pro BNDE? Por quê??? VOCÊS estiveram no Governo! Nós estamos há três meses. Vocês tiveram 18 anos. E não tiveram coragem de mudar.”
(Guedes exagera ao falar em “18 anos” e ignora as reformas que Temer fez — a trabalhista, por exemplo, foi conduzida por seu atual secretário da Previdência. Um reconhecimento maior ao Centro — que sempre segurou o País na hora H — faria bem.)
“Nós estamos do mesmo lado e vocês não sabem,” disse, apelando ao denominador comum do interesse nacional (um ineditismo no Governo Bolsonaro, mais especializado em rotular e dividir).
Alguns deputados da própria oposição elogiaram o modo aguerrido como o ministro defendeu a proposta mas, no final, a sessão foi interrompida depois que o deputado Zeca Dirceu, do PT-PR, usou linguagem chula para sugerir que Guedes é duro com os pobres e maleável com os ricos. (Zeca desconhece onde começa a defesa dos privilégios e termina a dos pobres.)
Entre empurrões e xingamentos, uma assessora do ministro e o próprio secretário da Previdência, Rogério Marinho, foram levados à Polícia Legislativa.
Essa zona é o Brasil. Grita-se demais, debate-se de menos. Fala-se demais, pensa-se quase nada. E a falta de respeito e civilidade já une os dois extremos do espectro político, assim como a intolerância e a resistência à mudança.
A base do governo continua despreparada para fugir das armadilhas. Governo sequer havia ali.
Só havia Paulo Guedes, que combateu o bom combate e guardou a sua fé, prestando um serviço ao País.
Mas a batalha de ontem deixou um alerta. Guedes vai tentar empurrar a agenda de reformas custe o que custar — mas precisará de apoio político.
Ele não pode ser o único adulto na sala. Se o Governo continuar brincando de Twitter e fingindo que coalizão política se faz com agressão via redes sociais, uma hora o ministro se cansa da briga e volta ao Rio de Janeiro.
(Com reportagem de Ana Flor em Brasília)