Paulo Bellini, que ajudou a fundar a Marcopolo e a transformou numa das maiores fabricantes de ônibus do mundo, morreu ontem aos 90 anos. Era um ídolo na empresa e em Caxias do Sul, a cidade onde nasceu e prosperou.
Bellini deixa como legado uma companhia industrial forte num mundo em que as indústrias estão morrendo; um negócio familiar que já atravessou 68 anos de crises no País e ainda se internacionalizou; e uma cultura empresarial baseada ao mesmo tempo na capacidade individual e no mérito coletivo.
Sua frase favorita era: “Meu time faz acontecer.”
“Ele era um homem simples, carismático, de fácil relacionamento,” diz o CFO José Antonio Valiati, na empresa há 37 anos. “Ele acreditava na valorização do ser humano e que todo o resultado passava pelas pessoas.”
O maior acionista individual da empresa, Bellini já estava afastado do dia-a-dia da Marcopolo desde 2012, quando assumiu o título de presidente emérito. Mas continuava indo ao trabalho todo dia para lidar com com os temas que lhe eram mais caros: gente e cultura organizacional. Toda a gestão da Marcopolo hoje é profissional, e sua morte não tem repercussões sucessórias.
Sua passagem deixou o dia na Serra Gaúcha ainda mais frio. Para o empresário Clovis Tramontina, ele era ‘um líder típico’; Raul Randon disse que seu amigo de longa data ‘nunca vai sair da memória de Caxias do Sul.’
Paulo Pedro Bellini nasceu em Caxias do Sul em 20 de janeiro de 1927, o quarto de uma família de oito irmãos. Estudou em Porto Alegre mas logo voltou para sua cidade natal. Em 1949, com 22 anos e só um curso de contabilidade debaixo do braço, fundou uma fábrica de carroceria de ônibus, a Nicola & Cia., em sociedade com os irmãos homônimos, amigos de sua família. Bellini cuidava da administração e da contabilidade. Os sócios, da operação. A companhia levava 90 dias para fazer um ônibus e, muitas vezes, ele precisava ser reparado.
“As dificuldades foram enormes,” Bellini disse ao repórter Daniel Bittencourt, que fez uma das últimas entrevistas com Bellini em 2013. “Não tínhamos capital de giro, crédito e nem dispúnhamos de tecnologia. Pegamos dinheiro emprestado, inclusive do meu pai, e fomos fazendo as coisas acontecer. Lembro que, várias vezes, precisamos recorrer ao dinheiro de agiotas.”
No final dos anos 60, os Nicola resolvem sair da sociedade e montar uma empresa só deles — também fabricando carrocerias de ônibus. Bellini se viu numa condição surreal: estava numa empresa que carregava o nome dos (agora) concorrentes, que aproveitavam para anunciar seu produto como ‘o Nicola verdadeiro’. Bellini e um novo sócio, Valter Gomes Pinto, passaram a buscar uma nova razão social para a empresa. Gostavam do nome Marco Polo, mas resistiam pelo fato de ser um nome duplo. Fundiram as duas palavras e testaram o nome no Salão do Automóvel de 1968, lançando um modelo de ônibus batizado de Marcopolo. O nome pegou.
Mas a grande sacada de Bellini foi entender a importância do capital humano na companhia bem antes disto se tornar verdade estabelecida. A epifania se deu durante uma viagem ao Japão no início dos anos 80. Bellini e um grupo de diretores da Marcopolo foram conhecer os métodos de manufatura que faziam o sucesso da economia japonesa, então em seu auge.
A viagem foi um divisor de águas em sua vida e para a empresa. Usando o que aprendeu lá, Bellini criou e implantou dois sistemas em 1986: o SUMAM (Sugestões de Melhoramentos do Ambiente Marcopolo), que motiva os funcionários a participar ativamente da melhora constante do local de trabalho, e o SIMPS (Sistema Integrado Marcopolo de Produção Solidária), que enfatiza a importância do trabalho em equipe e da colaboração entre áreas distintas.
O fundador se empenhou pessoalmente para que os funcionários assimilassem os conceitos, que lidavam com questões comportamentais e culturais.
Foi uma revolução na Marcopolo, que se tornou mais produtiva, eficiente, e se internacionalizou nos anos seguintes.
“Ele foi além dos métodos dos japoneses,” diz José Rubens de la Rosa, CEO da Marcopolo entre 2000 e 2015. “Ele entendeu a essência de tudo aquilo e criou um sistema próprio, para os funcionários no Brasil. A Marcopolo não é simplesmente uma fábrica, é uma cultura.”
Mais tarde, a Marcopolo recebeu a visita de japoneses que reconheceram avanços nos sistemas que Bellini aprendera lá.
Esta revolução cultural está descrita no livro “Marcopolo: Sua viagem começa aqui”, que Bellini publicou em 2012, com depoimentos de mais de 90 pessoas que o ajudaram em sua trajetória. Ao explicar sua motivação para escrever o livro, disse que queria “registrar as experiências que ajudam a explicar essa cultura e homenagear todos os envolvidos, participantes dessa história. Muitos nem sabem disso. São aqueles que encontro por acaso, quando circulo pela fábrica, e que me tratam com um carinho incomum.”
No Brasil, onde tem 8 mil de seus 12 mil funcoonários, a Marcopolo fabrica hoje 40% do que produzia no pico do mercado, mas tem se mantido sólida graças à sua vasta exposição internacional. A empresa tem fábricas em 9 países e exporta para mais de 100.
É a maior acionista da maior fabricante de ônibus da América do Norte, a New Flyer Industries. Em setembro passado, a Marcopolo vendeu 7,4% do capital da New Flyer por R$ 446,5 milhões, recursos que virtualmente zeraram seu endividamento. O investimento havia sido feito em 2013 e quadruplicou de valor em três anos. A Marcopolo ainda tem 10,8% da companhia canadense.
Hospitalizado desde quinta-feira passada, Bellini lutava contra uma infecção. Viúvo desde 2013, Bellini é sobrevivido por três filhos: James, Mauro Gilberto e Paulo.
Às 15 horas de hoje, quando o corpo será cremado, as 17 plantas da Marcopolo em todo o mundo vão soar sirenes para se despedir do homem que, como ele dizia, ‘fez acontecer.’