Uma cerveja Beck’s vendida com exclusividade para 70+. Um casal 60+ em roupas íntimas estampando a campanha do Dia dos Namorados da Reserva, marca da Arezzo&Co. Martha Stewart, aos 81, de maiô na capa da Sports Illustrated. A mulher 60+ sonhando com as festas que dará no apartamento à venda na Loft – e a outra que se prepara para um topless na peça da Havaianas.
O movimento ainda é tímido, mas aos poucos as marcas começam a ensaiar uma importante mudança no conceito do tempo e na forma como lidam com a idade dos consumidores.
“Envelhecer é viver,” resume a publicitária Rita Almeida, a head de estratégia da AlmapBBDO e uma pesquisadora sobre o comportamento do consumidor.
Rita fez um estudo para entender os 60+ e descobriu que mais de 60% deste público não consegue mencionar marcas que se conectem com eles. E quando se conectam, é por conta de suas vulnerabilidades – ou seja: porque vendem remédios, creme para as rugas, suplementos alimentares, fraldas, planos de saúde.
“O lado desejante deste público, que quer pertencer, quer viver, quer estar junto, ainda é pouco explorado em campanhas”, disse Rita.
Tecnicamente, a grande maioria das marcas ignora esse público porque existe a ideia de que os principais valores aspiracionais buscados em uma propaganda, como liberdade, ousadia e coragem, são associados à juventude etária, diz a vice-presidente de estratégia da agência Soko, Ana Cortat.
“Existe essa crença de que, se eu uso essa juventude de idade, que carrega naturalmente esses valores, eu consigo atrair quem está embaixo, em termos de faixa etária, e quem está em cima”.
A Soko conseguiu furar essa bolha conceitual dois anos atrás, quando criou uma campanha para a Loft em que uma mulher em torno dos 60 anos sonha em ter um apartamento para dar festas maravilhosas.
Um ano depois, já em 2022, foi a vez da Reserva ousar. A marca da Arezzo&Co colocou um casal 60+ em um ensaio sensual de lingerie na campanha de Dia dos Namorados.
A campanha acabou atingindo todas as faixas etárias e foi sucesso absoluto para a marca, gerando “ disparado o maior volume de vendas de Dia dos Namorados da nossa história,” disse Rony Meisler, o fundador e marqueteiro-in-chief da Reserva.
As peças publicitárias da Reserva foram tão impactantes que até Rita Almeida chegou a achar que a marca havia extrapolado. Mas assim que começou a pesquisa e perguntou sobre a campanha, percebeu que estava errada: o público se sentira representado.
Este ano, as conversas sobre etarismo ganharam holofotes quando uma mulher 40+ foi hostilizada por colegas de faculdade. Foi no meio desse burburinho que a Beck’s decidiu fazer uma campanha toda voltada para o público 70+. Mais do que isso, a marca da Ambev fez uma cerveja exclusivamente para este público. Nas festas, só pessoas acompanhadas de 70+ podiam entrar nas salas VIP, e a disputa por convites foi intensa. Até quem pedia a Beck’s 70 no Zé Delivery precisava mostrar a identidade.
O insight surgiu por conta de um estudo científico que mostra que a partir dos 70 anos o paladar vai ficando mais resistente ao amargo – por isso, a Beck’s 70+ é mais amarga.
Pela primeira vez, os influencers foram atrás da marca para participar de uma campanha, segundo conta o diretor das marcas globais da Ambev, Felipe Cerchiari. E não quaisquer influencers, mas artistas do gabarito de Fafá de Belém e Fábio Júnior. A campanha da Beck’s teve um engajamento de 10% nas redes, um nível considerado acima da curva, e foi a ação da marca com mais visualizações no TikTok, atingindo 34,6 milhões de views. O sucesso fez a empresa estender a campanha.
O sucesso monetário de campanhas como a da Reserva e da Beck’s também pode ser explicado pelos dados.
O público 60+ movimenta R$ 2 trilhões/ano, ou seja, 20% do PIB brasileiro. Ele já representa 15% da população e em pouco tempo chegará a 30%.
Quase 65% deste público continua sendo o alicerce financeiro de suas famílias. Mais de 60% acessam a rede social todos os dias. Mais de 65% receberam os amigos no último mês. Este é o público que mais compra ou aluga móveis. Todos esses dados estão na pesquisa feita pela Almap.
Mas um dos dados mais reveladores sobre o perfil financeiro do público 60+ vem da FGV Social, comandada pelo professor Marcelo Neri.
A equipe de Neri esmiuçou os dados da Pnad 2022 e, a pedido do Brazil Journal, rodou a base de dados para descobrir em que camada social está o público 60+. O resultado é o seguinte: entre os 5% dos brasileiros mais ricos, 22,8% têm idade acima de 60 anos, e entre os 5% mais pobres, o percentual não chega a 7%.
Ana, da Soko, disse que do ponto de vista econômico essa se tornou uma discussão necessária, já que mais gente envelhece do que nasce, e provavelmente só por isso estejamos discutindo o etarismo e a longevidade. Ela sugere, no entanto, que a discussão seja sobre a mudança do conceito de tempo, e não sobre idade.
“A passagem do tempo está relacionada à perda, à dificuldade de mudança, e se você não muda mais, não é novo, não é ousado. Mas quem disse? Onde está escrito? Quem definiu que todo mundo quer ter 25 anos? Essas discussões precisam ir para a mesa e, para isso, precisamos de dados e conhecer o público acima de 50 anos, encontrar a pluralidade, que é o que a Rita começou a fazer”.