Ao longo do último ano, a base acionária do Grupo Pão de Açúcar (GPA) não foi exatamente ‘lugar de gente feliz’.
O mercado bateu forte na ação, com cada investidor fazendo uma crítica diferente.
Uns temem que o GPA esteja perdendo mercado para o Carrefour, o arquirrival que voltou a incomodar depois de anos de hibernação. Outros reclamam que o Casino, controlador do GPA, fez uma operação prejudicial aos minoritários de outra controlada — o Almacenes Exito, na Colômbia — e temem que algo parecido possa acontecer por aqui. Outros, ainda, lembram que o GPA sofre com a implosão de vendas na ViaVarejo — a dona do Ponto Frio e das Casas Bahia — na qual o GPA detém 43% do capital. Finalmente, há os que criticam o CEO da empresa, Ronaldo Iabrudi, por não ser ‘um homem de varejo.’
O resultado é que, nos últimos 12 meses, as ações do GPA mergulharam 52%, enquanto, no mesmo período, o Ibovespa perdeu 19%. Comparando de outra forma: o Bradesco — um banco tão exposto à economia real quanto o negócio do Pão de Açúcar — caiu 34%. Já o Magazine Luiza, cujo negócio é igualzinho ao da ViaVarejo (e portanto não conta com a estabilidade do varejo de alimentos), caiu 60%.
Pouco antes do Carnaval, o sentimento mudou. Diante da percepção de que a queda pode ter sido exagerada e em meio a rumores de uma forte recuperação nas vendas em janeiro, a ação subiu cerca de 30% em 20 dias. A empresa atingiu um ponto de inflexão? Essa alta é sustentável?
VEJA Mercados conversou com o CEO do GPA. Ele defendeu sua estratégia e disse que o foco da empresa é rentabilidade.
Desde o terceiro trimestre de 2014, os dados publicados pelas duas companhias mostram que o Carrefour passou a crescer a taxas muito maiores que o Grupo Pão de Açúcar (GPA), tanto no faturamento consolidado quanto nas chamadas vendas nas mesmas lojas. Parte dessa performance inferior é fácil de entender: o Carrefour tem um percentual de receita maior vindo do atacarejo do que vocês. Mas os investidores estão batendo muito nessa comparação, dizendo que vocês estão perdendo mercado e, mais recentemente, há analistas dizendo que é muito provável que o Carrefour esteja indo melhor que o GPA até nos hipermercados e supermercados. Esse ‘gap’ de performance existe?
Quando a gente fala de comparar um negócio com outro, a gente tem que comparar o que é comparável. Não dá pra por dentro do mesmo saco o Pão de Açúcar, o minimercado, o hípermercado, o supermercado, o delivery… Nós temos seis negócios aqui no GPA alimentar. O supermercado Extra cresce com market share nos últimos dois anos e tem uma margem e uma rentabilidade completamente diferente do que vemos em outros mercados. A bandeira Pão de Açúcar cresce market share há 25 meses consecutivos e tem a maior margem de supermercado no Brasil. Você pode até ter redes regionais, menores, com margem melhor, mas o Pão é benchmark nacional. Nossas lojas de proximidade — o Minuto Pão e o Minimercado Extra — também crescem dois dígitos e mais de 30% quando você vê o crescimento orgânico. Nosso negócio de delivery é pequeno mas cresce também dois dígitos.
Vamos falar do atacarejo. O Assaí representa 20% da nossa receita. Para o Carrefour, a estimativa é de que o atacarejo seja mais de 60% da receita deles. Nosso atacarejo cresce dois dígitos altos (no conceito mesmas lojas), e quase 30% com o nosso programa de crescimento [abertura de novas lojas].
O atacarejo é maior lá, mas o nosso atacarejo aqui é mais eficiente e cresce a uma velocidade maior, seja no conceito mesmas lojas, seja organicamente.
Quando a gente fala do negócio alimentar, nós crescemos 7,1% ano passado, e o mercado cresceu 6,6% [número da ABRAS]. O Carrefour cresceu 10%-12%, mas se eu tivesse só o atacarejo, eu estaria crescendo dois dígitos altos, e, organicamente, quase 30%. Na nossa estimativa, nosso negócio de hipermercado é quatro vezes maior — no consolidado do grupo — do que aquilo que o híper representa para o Carrefour. Se eu tivesse a mesma relação que eles têm, estaríamos crescendo a mesma coisa.
Não se trata de criticar o Carrefour, que é um grande concorrente, mas não podemos comparar só a primeira linha [o faturamento], porque ela reflete apenas uma parte do negócio. Se você comparar também a rentabilidade, você vai ver que a nossa estratégia não vale a pena mudar. Podemos estar com uma venda um pouco menor nos hipermercados, mas estamos muito satisfeitos com nossa rentabilidade.
Nos hipermercados, o que aconteceu?
Eles iniciaram um processo de reforma das lojas antes da gente, em 2013. Nós iniciamos em 2015. Quando a reforma acaba, você cresce dois dígitos. No ano passado, fizemos a reforma de um terço das lojas. Como eles têm menos lojas e começaram antes, ou eles já acabaram ou faltam poucas lojas para acabar. Nós vamos continuar nosso plano de reformas este ano. Outra coisa: como você sabe, nossos números no Brasil são públicos, mas os deles não são. Baseado no guidance [prognóstico sobre o desempenho da empresa comunicado aos investidores] que eles dão na França sobre o negócio de hipermercados que eles têm no Brasil, a gente acredita que a nossa margem é bem superior.
Então o mercado está fazendo uma comparação distorcida entre GPA e Carrefour?
Eu acho que existe uma distorção: não dá para comparar um negócio de atacarejo que tem três vezes mais volume com outro negócio de atacarejo que está junto com um negócio alimentar. É comparar maçã com banana.
Em todos os seus negócios, você me disse que está indo igual ou melhor que o Carrefour. Então, as comparações que os analistas têm feito, mostrando que se abriu uma ‘boca de jacaré’ nas vendas (com o Carrefour performando muito melhor que vocês)… estas comparações estão erradas?
Eu posso concordar que ele pode estar vendendo mais que a gente nos hipermercados, mas você tem que verificar também a rentabilidade.
O mercado diz que, quando assumiu o cargo, você pegou pesado nos cortes de custo e houve até falta de produtos. Vocês fazem uma autocrítica a respeito disso?
O Brasil mudou. Em 2013, quando eu cheguei aqui, a realidade brasileira era diferente, e o consumo, nem se fala. Já no final de 2013, a gente viu que o consumo teria um comportamento absolutamente diferente do que teve na última década. Nós adequamos a companhia a uma nova realidade de mercado. Não houve mão pesada. Praticamente não houve desligamento de gente, apenas o turnover natural. Focamos em aumento de sinergia, melhoria de processos, otimização de CDs, em fazer compras comuns, trabalhar a logística junto..
Alguns investidores dizem que houve muita rotatividade na administração da empresa.
Depois que eu cheguei, identificamos que tínhamos que ter pessoas responsáveis por cada unidade de negócios. Antes, havia um diretor de operações de todas as lojas: ele cuidava do hiper, do super, do Pão, das lojas de proximidade. Havia outra pessoa que cuidava de compras, outra cuidava do marketing, e assim por diante, mas faziam isso para todas as lojas: o hiper, o super, o Pão… Então, o distanciamento do cliente era muito grande. A gente queria que tivesse alguém olhando para a loja e cobrando a logística, o marketing, cobrando a venda, cobrando o sortimento, garantindo o posicionamento da marca. Colocamos um executivo para dirigir cada bandeira, muitos deles com 25, 30 anos de empresa. O [José Roberto] Tambasco, que era o diretor-geral de todas as bandeiras, saiu mas continua como nosso consultor. A gente não abre loja sem o Tambasco estar sentado na mesa, porque ele é o grande especialista em nos ajudar a escolher ponto — apesar de termos 100 anos de experiência no time que decide isso junto com ele.
E agora no início do ano, trouxemos alguém pra ser responsável pelo Multivarejo: o Luis Moreno, que já trabalhou no Carrefour, na Ahold e no Wal-Mart. O papel dele é coordenar as três áreas de negócio. E trouxemos, como COO, o Marcos Samaha, que já foi presidente do Wal-Mart no Brasil e, mais recentemente, comandava a Jequiti Cosméticos. O COO se relaciona com todas as áreas — logística, compras, marketing e TI — que servem as unidades de negócio, que por sua vez se relacionam diretamente com o cliente. As unidades de negócio é que vêem preço, promoções, competidor, sortimento, e dão os inputs para as áreas transversais.
Os investidores também ficaram preocupados com a governança corporativa do GPA depois que o Casino fez uma operação de partes relacionadas com o Exito que não foi exatamente exitosa para os minoritários de lá . [Na operação, o Casino vendeu metade de suas ONs de GPA para o Exito a um prêmio em relação ao valor da PN.] Qual é o risco de que uma operação prejudicial aos minoritários aconteça no Brasil?
Nós fomos objeto deste processo, mas estamos nos beneficiando da troca de melhores práticas com o Exito. Nós temos aqui dentro a Bartira, a maior fábrica de móveis na América Latina, e estamos vendo como exportar para eles. Eles têm quase uma confecção lá (eles fazem o design e mandam fazer fora em pequenas empresas), e estamos vendo como trazer isso para cá. Estamos levando o modelo do Assaí pra lá. Então, tem uma sinergia fundamental em todo esse processo. Evidentemente, houve também uma operação financeira que foi positiva para o controlador do grupo. Agora, conhecendo os marcos regulatórios brasileiros, as práticas que nós temos tido com governança nos últimos anos — comitês de governança, de auditoria, financeiro — e a cabeça que eu tenho de que resultado não é de curto prazo, isso não deveria ser uma preocupação para o mercado.
Parte da queda da ação do GPA está ligada ao fato de vocês terem 43% da Via Varejo e como a gente tem visto, quando a economia vai mal o varejo de eletroeletrônicos tende a ir ainda pior. A ViaVarejo está queimando caixa? Qual é o pior cenário para a empresa?
A ViaVarejo é uma bela história. No ano passado, ela teve um primeiro trimestre razoável, no qual ela ganhou share, depois perdeu share no segundo trimestre e teve -22% em vendas, e perdeu share no terceiro trimestre com -23% nas vendas… Esse é um negócio que você testa toda dia. Você reduz a margem de uma categoria e vê como reage, reduz no Estado, reduz no geral.. e durante esse período todo a gente viu que não tinha reação, e a partir de setembro a gente viu que tinha uma sensibilidade na elasticidade da margem. Começamos a trabalhar na margem e fechamos o quarto trimestre com queda nas vendas de 15%, e vamos divulgar o resultado. Ela nunca teve tanto caixa na história dela quanto tem hoje. E no ano passado, ela gerou um caixa muito grande comparada a grandes empresas brasileiras após pagar dividendos, fazer investimentos e fazer um programa de reestruturação em que saíram 11 mil pessoas da companhia. A empresa ficou menor — nós também fechamos lojas ano passado — e está muito mais adequada para competir neste mercado do que estava em 2013, 2014.
A ViaVarejo tem hoje o maior caixa de sua história. Aí você me pergunta, “Então por que vocês não recompram as ações?” Porque nós achamos que, no momento atual do Brasil, você estar com este nível de caixa nos dá uma segurança para tocar o negócio que pouca gente tem. A gente acha que muita gente pode sucumbir nessa travessia para 2017.
Em meio às críticas do mercado, há uma que chega a ser pessoal: a de que você não é “um homem do varejo”.
Eu já fui siderurgista, já fui ferroviário, já fui presidente do conselho de companhia de energia elétrica, membro do conselho de uma empresa de satélite, de empresa de educação, dirigi uma empresa de refratários… Eu acredito que alguns executivos têm perfil de gestor, e aprendem o negócio com o time que está aqui. O ideal é que nós fôssemos o mais parecido possível com os nossos clientes. No varejo, se você tiver só varejista, você não consegue ter uma visão diferente. A diversidade ajuda uma empresa como essa, que tem seis negócios, sem falar da C-Nova e do GPA Malls [o braço imobiliário do grupo].
Vou te dar um exemplo. Esse fim de semana, nós trabalhamos com a Multivarejo. Começamos às 8 da manhã para falar sobre repelentes — se tínhamos o nivel de estoque de repelentes que a companhia tinha que ter em São Paulo, Rio, no Nordeste e Centro-Oeste. Até meio-dia nós resolvemos o problema: onde faltava, nós redistribuímos de um CD para o outro, e a área comercial já entrou para aumentar o estoque. Então, a velocidade do varejo é um negócio maravilhoso.
Volta e meia, há um barulho sobre a negociação de lojas que pertencem ao Abilio Diniz, [ex-controlador do GPA que é dono de imóveis alugados ao grupo.] Como está esse assunto?
Esse assunto é o seguinte. Nós temos algumas lojas que alugamos da Península, como alugamos do Sendas e do Michael Klein. No contrato que nós celebramos [de mudança de controle do GPA, de Diniz para o Casino], muito mais do que um aluguel de lojas, nós fizemos um contrato de aluguel de 20 anos, prorrogável por mais 20, que está respaldado por este acordo de acionistas. É absolutamente natural que se façam inspeções para ver o estado das lojas. Mas o que tem sido publicado sobre isso é algo estranho, porque ninguém tem mais interesse em ter receita [das lojas] do que nós. A loja para nós é 95% do nosso negócio enquanto, para eles, é um aluguel. Tem sido publicado que nós estamos fazendo modificações em lojas que estão atrapalhando as vendas. Não existe essa possibilidade, até porque nós seríamos muito mais penalizados. E, para você entender: temos um contrato de cinco anos para regularizar o que no passado não foi regularizado, e estamos trabalhando nisso.
O contrato de aluguel então prevê um prazo para regularizar?
Quando fizemos a resolução da arbitragem, dentro da negociação ficou decidido que nós, GPA, teríamos cinco anos para regularizar as lojas da Península. Isso em junho de 2014. As partes concordaram com isso.
Há várias redes regionais e mesmo grupos nacionais à venda no setor de supermercados. Vocês estão pensando em crescer via aquisições, aproveitando este momento de mercado?
Eu acho que o Brasil ainda vai ficar pior… Acho que ainda há um descompasso entre a ambição de preço do vendedor e a oferta do comprador. Nós ainda não chegamos no momento em que o vendedor ficou realista. Acho que esse momento vai chegar, e temos gente que está permanentemente acompanhando isso. Por exemplo: terrenos. Antes a gente preferia alugar terrenos, agora a gente já pensa em comprar, mas ainda está essa briga do vendedor achar que vale 100 e a gente achar que vale 80. Provavelmente o preço mais adequado é 85…
Qual é o múltiplo de vendas histórico para transações envolvendo redes de supermercados regionais?
Ali em 2013-2014, o preço de venda era 0,5-0,6 vezes o faturamento da empresa. Hoje é muito menor. Eu acho que hoje está mais para 0,3x, dependendo de vários fatores, claro.
Como é a sua relação com o controlador do Casino, Jean-Charles Naouri? Ele acompanha a empresa no detalhe? Vocês se falam com que frequência?
Ele acompanha a tendência. Nós temos um planejamento de três anos, que é transformado em um planejamento anual, que tem metas mensais e trimestrais. Ele acompanha. Se a tendência não está na direção correta, eu me antecipo e levo um plano para corrigir a rota. Eu falo com ele semanalmente e falamos dos principais pontos estratégicos da companhia, porque os números ele já recebe no dia a dia. Nunca foi tão fácil trabalhar com alguém quanto é trabalhar com ele.