O Chapter 11 da produtora de autopeças americana First Brands — pedido às pressas no mês passado após um dos credores da empresa questionar as suas práticas de financiamento fora do balanço e apreender parte do seu caixa — caminha para se tornar mais um escândalo financeiro histórico, com ramificações no mercado de crédito privado e no setor automotivo.

Em seu pedido de reestruturação, a First Brands estimou uma dívida entre US$ 10 bilhões e US$ 50 bilhões e ativos entre US$ 1 bilhão e US$ 10 bilhões, acendendo uma luz vermelha no mercado de crédito e tornando a empresa objeto de investigação do Department of Justice (DOJ).

Segundo o Financial Times, o valor real da dívida da empresa é de cerca de US$ 12 bilhões.

Agora, seguradoras como Allianz, Coface e AIG se preparam para pedidos de indenização; e bancos e hedge funds como o Jefferies, UBS e Millennium devem sofrer perdas bilionárias em suas operações com a empresa.

Outra credora, a provedora de serviços financeiros Raistone, afirma que US$ 2,3 bilhões “simplesmente sumiram” do balanço da First Brands e que será necessária uma investigação externa para solucionar o caso.

No entanto, indícios apontam que a Raistone — especializada em fornecer capital de giro a empresas por meio de soluções de trade finance e que ajudou a First Brands a se financiar com diversos credores — pode ser parte do problema, disse o FT.

Isso porque Dave Skirzenski, o fundador da Raistone, foi um dos primeiros funcionários da Greensill Capital, que colapsou em 2021 viabilizando operações do tipo.

Investidores americanos estão comparando o caso da First Brands com o escândalo protagonizado pela Enron. A empresa de energia chegou a esconder cerca de US$ 30 bilhões em dívidas em SPEs fora do balanço antes de ser exposta e colapsar em 2001.

A First Brands — que é dona de 24 marcas ligadas ao setor automotivo e foi fundada pelo misterioso empresário malaio Patrick James em 2013 — cresceu rapidamente nos últimos anos com uma estratégia agressiva de aquisições sustentada pelo mercado de crédito privado.

Assim, segundo dados de março divulgados pela própria empresa, teria acumulado uma dívida de US$ 6 bilhões.

Esse patamar elevado de endividamento não impediu o mercado de continuar emprestando para a First Brands, até que um dos credores desconfiou que o financiamento fora do balanço da empresa estava fora de controle.

A First Brands também se bancava através do factoring, um tipo de empréstimo de curto prazo lastreado por faturas não pagas dos clientes de uma empresa. (As autoridades estão investigando inclusive a venda duplicada de alguns destes recebíveis.)

Com capital jorrando em Wall Street nos últimos anos, esse nicho de crédito ganhou força. Mas, como já aconteceu também no Brasil, operações assim não são categorizadas como dívida e não aparecem de forma adequada nos balanços — um prato cheio para que as coisas saiam do controle.

Duas semanas antes do Chapter 11, os bonds da First Brands ainda eram negociados a níveis relativamente saudáveis — mostrando que o forte do mercado de crédito privado não é exatamente a due diligence e elevando os temores de que haja outras bombas semelhantes prestes a explodir.

Algumas seguradoras começaram a reduzir sua cobertura da First Brands há quase um ano, segundo o FT, após detectarem problemas de pagamento crescentes em uma das subsidiárias do grupo. 

“Enquanto tudo está funcionando, ninguém fará perguntas,” Jim Chanos, o gestor que previu o escândalo da Enron, disse ao FT. “Só quando uma empresa ou os mercados tropeçam é que as pessoas notam que o que estão fazendo não faz o menor sentido.”

Entre os players implicados, fundos administrados pela Point Bonita Capital, do Jefferies, comunicaram uma exposição de US$ 715 milhões à First Brands; enquanto o UBS indicou ter US$ 500 milhões comprometidos via sua unidade de hedge funds O’Connor.

A ação do Jefferies recua 25% desde a divulgação do escândalo.

Mas o tamanho do rombo ainda não está claro e, além de possíveis problemas no mercado de crédito, investidores monitoram repercussões no setor automotivo. 

Com as tarifas de Trump impactando o setor e obrigando cada vez mais empresas do ramo a utilizar esse tipo de financiamento, o risco de uma crise sistêmica não é descartado.