Salim Ismail é um otimista.
Um dos fundadores da Singularity University e autor do best seller “Organizações Exponenciais”, Ismail acredita que as transformações tecnológicas em breve vão curar o câncer, erradicar doenças infecciosas e até mesmo libertar a humanidade da burocracia governamental.
Palestrante e guru de inovação, Ismail hoje trabalha ajudando empresas a se preparar para a próxima onda de disrupção. Ele garante que em dez semanas é possível preparar as lideranças para um “crescimento exponencial”.
Ismail conversou com o Brazil Journal na semana passada, após falar na CEO Conference, o evento anual do BTG Pactual em Nova York.
Muito do que se vê de inovação hoje são apps que facilitam nossa vida aqui e ali mas não são exatamente uma revolução. Você acha que a tecnologia está ficando menos relevante para o progresso da humanidade?
É exatamente o oposto. Nos últimos dez anos, vimos surgir uma explosão de apps e plataformas baseados em tecnologia da informação, ecommerce etc. Mas o que está acontecendo agora, e isso é parte do motivo que levou à criação da Singularity University, é que o paradigma da informação está extrapolando para outras áreas: [por exemplo] a energia está entrando na era da economia da informação. Em 13 anos, seremos capazes de substituir 100% da demanda de GLP por energia solar. Energia, saúde, educação: setores tido como muito tradicionais estão sendo alterados pela informação e pelo conhecimento de forma radical. A gente ainda não viu a explosão de inovação pois produtos e serviços ainda não emergiram. Mas eles estão chegando. Eu costumo dizer que é como se estivéssemos vivendo ao mesmo tempo o equivalente a 20 ‘momentos Gutenberg’, [referência ao inventor da imprensa no século 15]. Há grandes revoluções acontecendo com carros autônomos, energia solar, inteligência artificial, robótica, biotecnologia, neurociência. Em cinco ou sete anos vamos resolver o problema do câncer. É um desenvolvimento profundo da humanidade.
Qual o grande motor de toda essa inovação?
Em primeiro lugar, os custos baixaram dramaticamente. No passado, era preciso US$ 20 milhões para montar uma startup no Vale do Silício. Hoje você monta uma empresa com US$ 50 mil. É possível criar bem mais empresas com menos capital de risco. Mas mais importante, com a disseminação das tecnologias digitais, com Skype, Whatsapp etc, a inovação pode acontecer em qualquer lugar. E estamos vendo uma explosão de inovação em todo o mundo.
Quais indústrias você diria que serão as próximas a passar por disrupção?
Já vimos a disrupção na música, nos jornais. Agora estamos vendo nos hoteis, nos táxis. Acredito que a próxima disrupção será na indústria de automóveis: em 4 a 5 anos, vamos ver o automóvel deixar de ser um produto e se transformar em serviço. E, em menos tempo, vamos ver o início de uma grande revolução no setor de energia, movida pelo crescimento exponencial da energia solar. Acho que em dois anos vai haver um novo crash do petróleo – e nada vai ser como antes. Há ainda o setor de saúde, com o câncer sendo tratado de uma forma completamente nova. Mas há outras indústrias tradicionais, como construção, sendo desafiadas.
Veja o que aconteceu no Brasil com as Olimpíadas. A cada quatro anos, a cidade que vai receber as Olimpíadas precisa construir 60 mil leitos de hotel. Mas me lembro que no Rio a cidade falou que não havia espaço para isso – e a demanda foi suprida pelo Airbnb.
Os modelos de negócio do passado eram baseados em escassez. Sem escassez você literalmente não tinha uma oportunidade de negócios. Já os modelos de negócio do futuro estão baseados na abundância: Uber, na abundância de carros. Airbnb, nos quartos extras. A era da informação está viabilizando essa transformação.
Se fosse dono de uma rede hoteleira, o que faria se um belo dia acordasse e descobrisse a existência do Airbnb? Vendia o negócio?
Você tem que se reinventar. E não dá para esperar. É preciso aceitar que o seu negócio vai inevitavelmente passar por uma disrupção. No passado, as empresas tinham que fazer apostas e e investir bastante capital. Hoje é possível contar com um portfólio de pequenas apostas. E aí você dobra a aposta onde enxergar chance de sucesso. Veja o que aconteceu com as Lojas Americanas. Eles se deram conta de que o futuro estava no ecommerce e lançaram a B2W, que hoje é maior que a nave mãe. Idealmente, a Ford ou a Toyota é que deveriam ter lançado serviços como Uber. Mas é muito difícil para empresas tradicionais. O grande desafio de gestão hoje é como fazer os CEOs tradicionais pensarem dessa nova forma.
Como?
É preciso solucionar o que chamo de ‘problema do sistema imunológico’. Quando você tenta fazer algo disruptivo em uma organização antiquada, os anticorpos atacam você. Todos na empresa falam: ‘não não não, não podemos fazer isso’. Um grande exemplo é a Nestlé, com o Nespresso. Originalmente o projeto estava dentro da empresa. Durante anos, vários executivos tentaram matar a ideia. Até que o CEO resolveu colocar o projeto fora da principal estrutura corporativa e… boom: hoje todo hotel no mundo tem uma máquina Nespresso. Não dá pra fazer inovação disruptiva no núcleo da organização. É preciso ir para as beiradas.
Quem faz isso muito bem é a Apple. A inovação da Apple não está no design ou na tecnologia. É organizacional. Eles têm times de portfólio que são pequenos times muito disruptivos. Eles deixam essas pessoas num canto da empresa, trabalhando em segredo, com a missão de promover uma disrupção em outra indústria. Ninguém mais faz isso. Primeiro foi com a música, depois o telefone, o tablet…. E agora relógios, saúde, varejo, carros, meio de pagamentos. Não há limite para o valor de mercado. Ou você promove a disrupção ou ela vai atropelar você. Não tem meio termo.
Algumas empresas estão criando espaços de coworking para ficar perto do ambiente de inovação. Por exemplo, o Itaú com o Cubo. Outras estão investindo em pequenas startups. Esse é um bom jeito de manter o espírito inovador nas grandes empresas?
O Cubo do Itaú e iniciativas similares são fantásticas. Todas as grandes companhias têm de fazer isso. O mundo está mudando muito rápido, é preciso se aproximar da comunidade de startups. O grande desafio é, uma vez identificada uma oportunidade, como trazer para dentro da nave mãe. Esse é o tipo desafio que ajudamos as companhias a resolver. E que é tema do meu livro, Organizações Exponenciais [lançado no Brasil pela HSM], e que mostra que é possível formar uma cultura de liderança em dez semanas. Criamos um manual que as empresas podem baixar e implementar por conta própria. Fizemos um piloto com a Procter & Gamble e desde então já aplicamos o modelo em mais de uma dúzia de companhias. No Brasil, fizemos o trabalho com a Coteminas, com a Springs Global.
Como você avalia o cenário de startups no Brasil?
É muito estimulante. Na Singularity temos mais alunos do Brasil do que de praticamente qualquer outro país. Os brasileiros são loucos [crazy] e precisamos de pessoas loucas para liderar o mundo. O problema do Brasil é lidar com questões de governo, de corrupção. Tem que solucionar a política. É isso que impede o país de crescer.
Pensando no longo prazo, em que setor ou tecnologia disruptiva você investiria seu dinheiro?
Eu apostaria em energia solar, embora a gente não saiba ainda qual vai ser o modelo de negócios. Em biotecnologia, que está transformando totalmente a área de saúde. Também tenho muita expectativa com blockchain. Muitos serviços de governo são de autenticação – certificado de posse de uma propriedade, por exemplo. Com blockchain, podemos nos livrar de tudo isso e reduzir a corrupção.
A disrupção da Amazon no varejo gerou custos altos para a sociedade, com o fechamento de pequenos e grandes varejistas. Você acha que dá pra afirmar que esse movimento do ecommerce global trouxe mais benefícios do que malefícios?
A tecnologia é o maior motor do progresso hoje. O movimento de uma Amazon ou o que aconteceu com a indústria de música a gente chama de disrupção criativa. É preciso se livrar do velho para dar espaço para o novo. A indústria musical faz mais dinheiro hoje do que nunca. Só que o dinheiro não vai mais para os velhos estúdios, vai direto para os artistas nos show ao vivo. É um movimento positivo. A Amazon tem forçado o varejo a ser muito melhor em termos de atendimento ao cliente.
E a disrupção no meio jornal. Como vê o futuro do jornalismo?
Fico muito apreensivo. Vejo grandes perigos e grandes oportunidades. Quando uma indústria tradicional como o varejo físico desaparece, não tem muita importância. As câmeras fotográficas foram substituídas pela fotografia digital. Mas o jornalismo é crítico para a liberdade. Sem jornalismo investigativo de qualidade não há liberdade. O fato de o jornalismo estar ameaçado é um grande problema para o mundo. É preciso encontrar um novo modelo de negócios para o jornalismo investigativo. Creio que deveria haver um esforço da ONU para manter o jornalismo vivo.
Por outro lado, a indústria de jornais assistiu o meio digital tomar conta da publicidade e nada fez. Tentou se manter no modelo antigo. A indústria tem que se transformar. Creio que um modelo sem fins lucrativos pode ser uma saída. O problema é que o jornalismo se voltou totalmente para o setor privado. Acho que é um serviço de utilidade pública que deve ser financiado e regulado, mas gerido pelo setor privado. Governos em todo o mundo estão atacando as organizações de mídia, reclamando da falta de transparência. Acho que isso é um grande problema estrutural que ameaça a nossa civilização. Há uma onda conservadora tentando fazer o mundo andar pra trás. Trump tentou construir um muro, mas a tecnologia do muro não sobrevive à tecnologia do drone. Os bandidos estão usando drones para levar dinheiro para as prisões.
Apesar disso, você é um otimista…
Há razão para o otimismo. Se a energia solar baratear drasticamente o preço da energia, vai ser possível ter água limpa e barata. O custo de dessalinização vai cair bastante. Com água limpa, você reduz 60% das doenças infecciosas. Os efeitos são enormes. Há 200 anos, 94% da população vivia na pobreza extrema. Hoje é 9,4%. Bill Gates acha que em 12 anos vamos erradicar a pobreza extrema. São mudanças profundas.
E o mau uso da tecnologia?
Há muito mau uso de informação. Tem um estudo sobre a Fox News que diz que se você só assiste o canal, sua visão geral do mundo piora. É uma tragédia, um grande perigo. Nós inventamos a democracia representativa porque a informação era escassa. Em Washington DC ou em Brasília, as pessoas não sabiam o que acontecia na Califórnia ou na Amazônia. Hoje há informação em abundância. E todas as grandes democracias representativas estão quebradas. Índia está quebrada, o Brasil está quebrado. O Reino Unido quebrou dois anos atrás. Os EUA estão quebrando neste momento. Infelizmente o fogo que esquenta a sua casa também pode ser usado para queimar a casa do vizinho. A questão é como colher os benefícios [dos avanços tecnológicos], sem os percalços. Acho que temos feito um bom trabalho. O mundo é um lugar melhor hoje. Em dez anos vai ser melhor pois teremos resolvido uma série de problemas e doenças. As pessoas ficam aflitas com questões éticas relacionadas ao sequenciamento do genoma, mas ele pode ajudar a eliminar o mosquito que transmite a malária. E muita gente morre de malária. A tecnologia está fazendo a gente andar pra frente e não há como reduzir o ritmo. O Bush tentou proibir o desenvolvimento das células tronco e os EUA foram passados para trás por outros países.
Estamos vivendo uma transição?
Sim. Todos os mecanismos de governança que temos hoje – jornalismo, sistema político, sistema jurídico, propriedade intelectual – foram desenhados para um mundo de 100 anos atrás. Não para o dia de hoje. Veja o Github [repositório de códigos de software comprado pela Microsoft], que é uma das organizações exponenciais mais vigorosas. Eles desenvolveram um sistema de avaliação de desenvolvedores, feito pela própria comunidade. O salário de um desenvolvedor de software hoje no Vale do Silício tem zero correlação com o diploma universitário. O que vale é o rating no Github. É meritocracia medida pela própria comunidade. Vamos sair de um modelo de cima pra baixo, hierarquizado, para uma estrutura peer to peer, com estruturas descentralizadas. Como já existe no Airbnb, no Uber. Essas empresas não precisam de uma governança regulatória externa. A governança é parte do modelo. O mundo vai mudar muito rápido.