Otavio Frias Filho, que liderou a Folha de S. Paulo num tempo de profundas transformações no jornalismo e crescente volatilidade política no Brasil, morreu esta madrugada depois de uma batalha contra o câncer que durou quase um ano. 

Ele tinha 61 anos.

10534 f38aa7f2 5bc1 c871 44fd ab1793aee583Filho mais velho de Octavio Frias de Oliveira, Otavinho, como era conhecido, começou a trabalhar como editorialista e assistente do diretor de redação Cláudio Abramo em 1975, época em que a Folha, um jornal sem a história ou a expressão do tradicional Estadão, começava a se destacar pela cobertura jornalística.

Otavinho, então com 18 anos, participou da reforma editorial promovida por Frias e Abramo, quando as páginas do jornal começaram a dar voz a políticos e intelectuais de visões heterogêneas. Em 1983-84, a Folha marcou posição na campanha das Diretas Já e se aproximou ainda mais da sociedade civil.

Nesta época, ao assumir a direção e aprofundar uma linha editorial que definia como “pluralista, crítica e apartidária”, Otavinho implementou reformas que se tornariam a marca do jornal. Foi quando a Folha publicou seu Manual de Redação, que introduziu normas – como sempre ouvir o “outro lado” – e decretou o fim do texto pessoal e ideologizado. Anos depois viriam a seção Erramos e a criação do cargo de ombudsman, o crítico interno do jornal.

O novo projeto editorial enfrentou protestos, incluindo um abaixo-assinado da redação pedindo a revogação do manual. “Foram momentos intensos e tensos”, relembra o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, uma figura central nas reformas da época. “Foi preciso mudar a cara da redação, e a liderança e determinação de Otavio foram fundamentais.” 

Cerca de 50 jornalistas que se opuseram a Otavio foram demitidos, dando lugar a uma equipe jovem e uma linha editorial mais agressiva — que mais tarde renderia ao jornal a crítica de ‘eterno adolescente’ entre alguns leitores. 

Nos anos 90, a Folha se viu às voltas com um adversário no Planalto: Fernando Collor de Mello foi o primeiro Presidente a processar um órgão de imprensa durante o exercício do mandato. 

Collor processou os jornalistas Gustavo Krieger, Josias de Souza e Nelson Blecher – além do próprio Otavio – por uma nota publicada no Painel Econômico. Acusava-os de calúnia.

Meses antes, num episódio esdrúxulo, fiscais da Receita e um agente da Polícia Federal foram à redação da Folha supostamente fiscalizar se o jornal estava emitindo suas faturas na nova moeda, o cruzeiro. 

Otavio não se intimidou. Num de seus textos mais pungentes, dirigiu-se a Collor numa carta aberta ao Presidente na primeira página do jornal. Disse que o processo na Justiça era apenas “a ponta visível de um iceberg de ataques, discriminações, ameaças e violência contra [o] jornal” e que o Presidente havia mobilizado “todo o aparelho do Estado” contra a Folha.

No final, descreveu a diferença entre os dois num dos textos mais memoráveis do jornalismo brasileiro:

“Eu luto pela minha liberdade, o sr. por uma vaidade ferida; e no entanto minhas razões são públicas e de interesse geral, ao passo que as suas é que são particulares, sombrias como a própria solidão; (…) eu advogo um direito, o sr. uma obrigação de vassalagem; uma condenação lançará vergonha sobre o sr. e honra sobre mim; seu governo será tragado pelo turbilhão do tempo até que dele só reste uma pálida reminiscência, mas este jornal — desde que cultive o seu compromisso com o direito dos leitores à verdade — continuará em pé: até mesmo o sr. é capaz de compreender por que a minha causa é maior e mais forte e mais justa que a sua”. 

Otavio Frias Filho nasceu em 7 de junho de 1957 em São Paulo. Formou-se em Direito na USP e fez mestrado em ciências sociais, mas não chegou a defender tese. (Por não ter diploma de jornalista, foi processado por sindicatos por ‘exercício ilegal da profissão’.)

Preciso e metódico, era conhecido por sua franqueza e firmeza na hora de cobrar. Mantinha a porta de sua sala aberta e tomava decisões em conjunto com editores e secretários de redação. Era tímido e introspectivo, mas dono de um senso de humor refinado. 

Em meio ao moedor de carne que é a vida de redação, encontrou tempo para exercer a dramaturgia. Escreveu seis peças teatrais, reunidas posteriormente num único volume chamado “Cinco Peças e uma Farsa”, da Cosac Naify. Na época de maior envolvimento com o teatro, namorou a atriz Giulia Gam. 

Apesar do comportamento reservado, surpreendeu em 2003 ao publicar uma série de sete reportagens ou “investigações participativas” sobre: saltar de pára-quedas (mesmo morrendo de medo de avião), tomar o chá de Santo Daime, viajar de submarino, atuar numa peça de teatro dirigida por José Celso Martinez Corrêa, fazer o caminho de Santiago, explorar o sexo transgressivo (swing e orgias e sadomasoquismo) e aproximar-se do suicídio (como voluntário no CVV, atendendo telefonemas de pessoas em estado de depressão). Os textos foram reunidos no livro “Queda Livre”, lançado pela Cia das Letras.

Otavio estava internado no hospital Sírio Libanês. Fumante, não gostava de praticar esportes. Apesar da doença avançada, seguia escrevendo mensalmente no jornal. Sua última coluna, em 12 de agosto, foi uma resenha sobre o livro de Mangabeira Unger, “Depois do Colonialismo Mental”.

Depois de Ruy Mesquita e Roberto Civita, Otavio é o terceiro dos grandes editores que ditaram os rumos da imprensa brasileira no final do século passado e no início deste a falecer ainda no auge de sua forma.

A morte de Otavio se dá no momento em que os Frias – apesar da crise do jornalismo impresso – fizeram uma fortuna inesperada com meios de pagamento: o IPO da PagSeguro criou uma empresa avaliada hoje em mais de US$ 8 bilhões. 

Otavio deixa a mulher, Fernanda Diamant, editora da revista literária Quatro Cinco Um, as filhas Miranda e Emília, e os irmãos Maria Helena, Maria Cristina e Luiz, chairman do Grupo Folha e do UOL. 
 
Não está claro como será a sucessão no jornal. Para pessoas próximas à Folha, o natural é que o posto seja assumido por Maria Cristina, que assina uma coluna de negócios no caderno Mercado. 

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Entrevista ao Roda Viva (1996)