A Newfoundland – uma gestora focada em investimentos na América Latina – acredita ter encontrado um tesouro na Argentina, enterrado sob uma estrutura acionária cabeluda.
Num paper de 50 páginas enviado ontem a investidores, a gestora diz que a Cresud – uma holding de terras, shoppings e imóveis – está dramaticamente subavaliada, e poderia valer até 255% mais caso os investidores atentem para o potencial dos diversos ativos embaixo de seu guarda-chuva.
A Cresud, que é listada há 20 anos na Nasdaq, atualmente vale US$ 1 bilhão na Bolsa. O valor de mercado atual é um desconto de 70% sobre o NAV da empresa (o valor de seus ativos menos a dívida), que nas contas da Newfoundland, é de US$ 4 bilhões. A dívida líquida é de US$ 300 milhões.
A Newfoundland tem 4,64% do capital da companhia.
Construída ao longo de décadas pelo empresário Eduardo Elsztain, que já foi sócio de George Soros e hoje é o maior investidor imobiliário da Argentina, a Cresud é um misto de BR Malls e BR Properties, com uma pitada de agro – all in one.
Seu principal ativo é uma participação de 64% na IRSA, a maior operadora de shoppings da Argentina, com dois terços de participação de mercado, incluindo os estabelecimentos mais premium de Buenos Aires, como o Alto Palermo – o shopping mais rentável da América Latina, com vendas de US$ 12,9 mil por metro quadrado, contra US$ 8,5 mil do Morumbi Shopping, uma das joias da coroa da Multiplan.
A maior parte dos ativos da IRSA, por sua vez, estão embaixo da IRCP, uma holding de commercial properties na qual a IRSA tem 85% do capital. Além disso, a IRSA ainda tem 30% do Banco Hipotecário (BHIP), um banco de crédito imobiliário estatal. (IRSA e IRCP são listadas em Buenos Aires e Nova York; a BHIP negocia só na bolsa argentina.)
Além da IRSA, a Cresud tem um banco de quase 1 milhão de hectares agricultáveis na Argentina, Paraguai, Bolívia e Brasil, onde as terras estão concentradas na BrasilAgro, de quem a Cresud é a maior acionista com 40% e onde tem como sócio o fundador da Cyrela, Elie Horn.
Difícil de enxergar o emaranhado todo? O mercado também acha. A Newfoundland argumenta que a complexidade da estrutura acionária está cobrando um preço alto demais, mantendo a ação subavaliada.
No cenário mais conservador, considerando apenas o valor das terras agrícolas – estimado em US$ 535 milhões por uma firma de avaliação independente – mais o valor patrimonial da IRCP e o valor de mercado atual do Banco Hipotecário, há um potencial de valorização de 80% para o papel.
Aplicando-se um desconto de holding de 25%, o preço-alvo ainda seria de US$ 27; na Nasdaq, o papel negocia a US$ 21.
Para a Newfoundland, o desconto deveria ser menor que o de outra holding: a Cosan Limited, que abriga os negócios do grupo Cosan e negocia com deságio de 32% em relação à soma dos seus ativos. O motivo: a Cresud tem negócios mais focados (apenas real estate), e o controlador não possui super voting shares como Rubens Ometto.
Este cenário conservador (no qual a ação deveria valer US$ 27) atribui valor zero a uma série de outros ativos da companhia, que os investidores estariam deixando passar batidos. O principal deles é uma área de 700 mil metros quadrados em Puerto Madero – uma das áreas de Buenos Aires que mais se valorizou nas últimas décadas – onde a IRSA pretende construir um megaempreendimento de uso misto.
O projeto, chamado de Santa Maria, está parado há mais de 10 anos por conta de problemas com a prefeitura. No ano passado, uma firma independente avaliou o terreno em US$ 200 milhões. Nas contas da Newfoundland, esse número está mais próximo de US$ 1 bilhão, considerando uma estimativa de US$ 1,5 mil por metro quadrado, ainda abaixo do preço praticado em outras transações realizadas na mesma região recentemente.
Mais que isso, a gestora aponta que, com a mudança no perfil dos vereadores portenhos, agora alinhados ao perfil mais pró-negócios da Prefeitura, as chances do projeto sair do papel aumentaram. “O projeto desenvolvido pode valer até US$ 3 bilhões e apenas a terra vale 30% desse valor”, diz a Newfoundland. “Uma vez que for aprovado, só o valor do terreno representaria mais de 70% do atual market cap da Cresud. Isso está fora do radar do sell-side.”
Para a gestora, o mercado também subavalia a participação da IRSA na IDB, uma holding israelense que fatura US$ 10,5 bilhões e atua em diversos setores – de telecomunicações a seguros –, além de uma série de investimentos imobiliários nos Estados Unidos feitos por Elsztain na bacia das almas da crise do subprime.
Para além do valor escondido na holding, a Newfoundland diz que o setor de shoppings e propriedades comerciais da Argentina deve passar por um re-rating, acompanhando a melhora na economia.
“Atualmente, a IRSA está negociando a um cap rate implícito de 18% em dólar se o valor de empresa for ajustado pelo seu banco de terrenos. Acreditamos que ela deveria ser negociada a um cap rate de 7%”, dizem os gestores. (O cap rate é um múltiplo para avaliar imóveis, igual à renda do ativo dividida pelo seu valor – quanto menor o cap rate, mais caro o comprador pagou.)
“Os shoppings no Brasil atualmente tem um spread de 100 pontos-base em relação ao risco soberano, e acreditamos que seria justo um spread similar na Argentina, o que levaria a subsidiária de shoppings da IRSA, a IRCP, a praticamente dobrar em relação aos valores atuais”.