Os atores Bruno Mazzeo, de 46 anos, e Lucio Mauro Filho, de 49, ainda se emocionam com o carinho dos fãs maduros que os abordam nas ruas e comentam seus trabalhos na televisão e no cinema. 

A sequência de elogios, no entanto, normalmente desemboca numa frase que já virou piada entre os amigos: “Mas eu gostava mesmo era do seu pai.” 

Para quem não pegou essa época, Chico Anysio (1931-2012) e Lucio Mauro (1927-2019) foram dois gênios da comédia brasileira.

Como é impossível negar a herança paterna, seus filhos – Mazzeo e Lucinho, seu apelido na intimidade –  investiram no DNA e resolveram homenagear os genitores com o espetáculo Gostava Mais dos Pais, em cartaz no Teatro Porto, em São Paulo, de sextas a domingos até 14 de abril. 

O óbvio, porém, se esfacela em minutos nesta peça dirigida por Debora Lamm e escrita por Aloisio de Abreu e Rosana Ferrão.

bruno mazzeo bico de pena

O que poderia ser apenas um tributo se torna um balanço geracional de dois artistas – quase cinquentões – que enfrentam transformações radicais no mercado de trabalho e no comportamento que pouco dialogam com suas formações pessoais e profissionais.

Assim como Anysio e Mauro sentiram a derrocada do rádio no fim dos anos 50 e se adaptaram à televisão emergente, Bruno e Lucinho assumem as dificuldades de entender de que forma podem explorar suas referências sem fechar os olhos para o mundo digital.

Esta escolha de abordagem livra a montagem do rótulo de entretenimento descartável e oferece a chance de uma reflexão profunda para aqueles que, nascidos na década de 70, foram os últimos a crescer em um sistema analógico e hoje se debatem nas contradições da internet. 

De acordo com o que é visto, Lucinho é mais flexível na vida, e Mazzeo, um tanto fiel aos seus princípios. 

Personagens de si mesmos, muitas vezes, a dupla protagoniza nove esquetes ancorados em situações cotidianas sobre a reinvenção nestes novos tempos. Uma história específica costura as cenas. Uma brincadeira doméstica entre os amigos que rebolam diante do celular expõe as divergências de cada um com o modelo digital e detona o conflito que norteia o espetáculo.

Lucinho quer publicar o reels da dancinha nas redes sociais para aumentar o engajamento de sua conta;  Mazzeo, morto de vergonha, tenta demovê-lo da ideia porque aquilo seria um mico. O primeiro ironiza a importância que o amigo dá a uma postagem que, no dia seguinte, cairá no esquecimento. O outro, entretanto, não se conforma com tamanha banalização e pensa na vergonha que causará aos filhos e no desgosto do pai “se estivesse vivo.”

Em meio ao desenrolar da discussão, situações apoiadas em extremos ganham o palco. Em uma delas, aparece o deboche sobre a preguiça da falta de atualização dos jornalistas através de uma entrevista em que Lucinho se constrange porque todas as perguntas dizem respeito ao seu pai. 

A seguir, é a vez de Mazzeo participar de um podcast em que o mediador desinformado só ouviu seu nome depois do vídeo da dancinha e nem sonha quem foi Chico Anysio.

Uma terceira trama pouco surpreende ao mostrar a reunião dos dois artistas com uma consultora de carreira (representada em vídeo por Luisa Perissé) que propõe ações bizarras para que os dois voltem a gerar assunto na mídia. O conflito de gerações inspira ainda duas histórias. Em uma delas, um pai tenta demover o filho estudioso da ideia de ser médico e garantir o futuro como influencer; em outra, um pai violonista deixa o herdeiro intimidado diante da intenção de aprender a tocar o instrumento.

lucio mauro filhoGostava Mais dos Pais dá um salto de ambição quando apela para as sátiras do cotidiano. No melhor dos esquetes, o tema é a radicalização do politicamente correto em um diálogo entre um cliente (vivido por Lucinho) e um garçom (papel de Mazzeo). Próxima ao formato dos quadros escritos por Chico Anysio – só que adequada aos temas desta década – a história sugere como a mera solicitação de uma porção de batatas fritas pode gerar um embate sobre etarismo, xenofobia e outras questões e quase vira caso kafkaniano. 

De apelo crítico também é o esquete centrado em um pai (Mazzeo) que procura memes e publicações de fake news para irritar o professor progressista da filha. “Eu não troco esse ódio por nada”, arremata o personagem.

Tudo o que está em volta de Mazzeo e Lucinho é muito sutil. O figurino de Marina Franco é tão casual que parece que os atores saíram com a roupa de casa. A cenografia, assinada por Daniela Thomas, ocupa o espaço como um fundo branco capaz de se transformar em portas ou telas de projeção, de acordo com a iluminação de Wagner Antônio, sem buscar o protagonismo, assim como a trilha sonora de Plínio Profeta.

Desta forma, a orquestração da diretora Debora Lamm, em um primeiro momento, está ali apenas para deixar Mazzeo e Lucinho à vontade, mas não é exatamente assim. A concepção minimalista contrasta com as referências paternas da dupla e cria um humor de personalidade própria e conectado aos novos tempos. 

Ao contrário de Chico Anysio e Lucio Mauro, os filhos não se apoiam em trejeitos, figurinos, perucas e maquiagens. Tudo vem de uma base naturalista que Mazzeo usa com desenvoltura e descompromisso; Lucinho, apesar da eficiência, parece sentir falta de algumas muletas, como o apoio de uma caracterização.

Prova disso é o quanto Lucinho se solta no quadro de encerramento, uma deliciosa referência memorialística com os personagens Alberto Roberto e Da Júlia. Celebrizados por Anysio e Mauro na TV, estes personagens são revividos pelos filhos nos moldes de antigamente, com trajes específicos, peruca e vozes empostadas. 

A cena encerra o espetáculo entre a emoção dos mais velhos e uma inevitável provocação à plateia novata. Enquanto o público veterano mata a saudade dos tipos de Anysio e Mauro, os jovens talvez nem façam ideia de onde saíram aqueles dois personagens, mas, quem sabe, fiquem curiosos e corram atrás de informações na internet.      

 

Foto: Francio de Holanda