A formação de expectativas e dos preços de ativos (câmbio, juros, bolsa) é bastante sensível às sinalizações do governo, e estas têm sido muito ruidosas – refletindo a falta de um plano estruturado e objetivos quase inconfessáveis de implementar as políticas intervencionistas e expansionistas do passado, que fracassaram.

O próximo Governo vai assim testando os mercados, criando balões de ensaio para calibrar o quanto é possível esticar a corda.

O problema de fundo é a incompreensão por parte dos times econômico e político da transição de como se formam as expectativas dos agentes econômicos.

Dois elementos deveriam ser levados em conta: a influência do contexto global nos preços domésticos e a forma como a credibilidade do governo junto aos agentes econômicos é construída.

Tomemos o câmbio como exemplo – a porta de entrada para todos os outros ativos, já que ele influencia a Bolsa e a curva de juros.

Seria um erro interpretar o atual nível bem comportado do câmbio – face a todo ruído e calor gerados pela transição – como um sinal de bom humor de investidores.

Desde o início de novembro, o dólar tem se enfraquecido no mundo, ainda que moderadamente, inclusive em relação às moedas emergentes, como resultado de uma reavaliação para melhor da trajetória da taxa de juros nos EUA.

Por esse contexto, a cotação do dólar no Brasil deveria estar em torno de R$ 4,60 ante os valores efetivos na casa de R$ 5,30, que refletem basicamente o mal-estar com as sinalizações do próximo governo.

Vale citar que esse hiato entre a cotação esperada e a efetiva vinha se encolhendo – sugerindo que o mercado estava contando com maior responsabilidade fiscal do PT – mas voltou a se ampliar.

O outro elemento que os políticos frequentemente ignoram é que a construção da credibilidade de um governo é um processo – e não um evento único – e o fato de um dia ou outro não haver uma reação esperada dos preços de ativos a uma nova medida não significa indiferença ou aprovação dos mercados ao anúncio.

A aparente calma na superfície – como se vê agora no câmbio, por exemplo – engana, pois “energia potencial” pode estar sendo acumulada. A memória do mercado não é ruim; decisões equivocadas hoje ficam marcadas na formação de expectativas.

Não é um jogo que recomeça sempre do zero. Más notícias aqui e ali vão se empilhando na construção de reputação, neste caso ruim.

Testar os limites do mercado não é atitude sábia, pois torna o ambiente mais propenso a acidentes, com mudança abrupta de humor de investidores, por vezes reagindo a gatilhos aparentemente de pouca importância – foi assim na ausência do ex-ministro Joaquim Levy no anúncio do contingenciamento do Orçamento de 2015.

Nessas situações, a correção de rumos é muito mais custosa ou até inviável politicamente – usando o jargão dos economistas, as opções políticas disponíveis são “path dependent”.

Remetendo mais uma vez ao governo Dilma, a visão de que a perda do grau de investimento estava precificada mostrou-se um grande erro.

O segundo semestre de 2015 foi marcado por um significativo descolamento do real em relação a outras moedas, o que só foi corrigido com a crescente discussão sobre impeachment.

Não compreender essas dinâmicas e reagir a comportamentos pontuais do mercado é contratar volatilidade e um ambiente mais arriscado.

Nesse contexto, torna-se ainda mais necessário o próximo governo definir tempestivamente seu plano de voo – de preferência sinalizando uma agenda estruturada para enfrentar os desafios fiscais, com bons diagnósticos e prioridades bem estabelecidas, o que hoje parece pouco provável. Sem isso, compromete-se a formação de expectativas e de preços.

A questão vai além de se configurar um equilíbrio macroeconômico de pior qualidade, com juros mais elevados, em função da escolha de um mix de política econômica que privilegia o estímulo fiscal.

Na ausência de um plano de voo, o risco é a economia entrar num quadro de equilíbrio instável – em que qualquer escorregada do novo Governo, mesmo quando corrigida, não faz as expectativas e a confiança voltarem ao nível anterior.

Afinal, quão previsível será a política fiscal? Qual o tamanho do risco fiscal diante das brechas abertas na PEC da Transição? Gilmar Mendes vai dar outras liminares mudando a regra no meio do jogo?

Qual regra vai substituir o Teto, e quão flexível ela será? É possível descartar um cenário de dominância fiscal? A meta de inflação de 3% em 2024 será mantida?

No conjunto da obra, temos a receita para uma trajetória indeterminada de preços de ativos. Difícil fazer qualquer projeção. Faltam parâmetros, faltam âncoras.

Zeina Latif foi secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e é autora do livro “Nós do Brasil: nossa herança e nossas escolhas”.