Não há dúvidas de que a reforma de 2019 representou um avanço do ponto de vista da sustentabilidade da previdência brasileira. Porém, a exclusão dos servidores estaduais e municipais foi uma perda significativa.

Os estados e municípios reúnem mais de 80% dos cerca de 5 milhões de servidores públicos civis estatutários filiados a Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 6, de 2019, formulada pelo Poder Executivo, preservava a uniformidade das regras no âmbito do serviço público civil das três esferas da federação. Mas os deputados federais decidiram dividir o ônus político da reforma com as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Como o Senado promoveu apenas supressões e ajustes redacionais na PEC, a Emenda Constitucional (EC) no 103, de 12 de novembro de 2019, acabou não alcançando os estados e municípios.

Passados mais de quatro anos desde a promulgação da reforma federal, avaliamos o andamento das reformas no âmbito dos estados por meio da análise das emendas às respectivas Constituições e da atualização das demais leis que regem seus RPPS.

Embora vários estados apresentem situação fiscal e financeira delicada em função do descontrole nos gastos com pessoal, muitos deles não reformaram seus RPPS ou optaram por versões mais brandas da reforma federal. Na esfera municipal, a situação é ainda mais preocupante.

Muitos governadores e prefeitos não têm incentivos para sustentar uma plataforma política baseada na reforma da previdência, sobretudo porque os principais resultados positivos somente podem ser percebidos após muitos anos.

Além disso, sabe-se que a pressão política exercida pelos grupos organizados de servidores, notadamente de professores e policiais, tende a inibir a atuação dos deputados estaduais e vereadores. Especificamente no caso dos municípios, há indicativos de que os prefeitos têm sistematicamente escolhido empurrar o problema para frente.

Devemos lembrar ainda que, no federalismo fiscal brasileiro, a irresponsabilidade fiscal de um estado ou município não é internalizada pelos seus governantes e eleitores, mas compartilhada com os pagadores de impostos de todas as regiões do País. 

Exemplo disso são as recorrentes renegociações das dívidas dos estados com ônus para a União. Assim, os contribuintes de todo o País devem financiar, indiretamente, uma parcela do déficit da previdência de estados e municípios que não endurecerem as regras de seus RPPS.

Aposentadorias e pensões dos estados

Em relação às condições de habilitação para acesso aos benefícios e as respectivas fórmulas de cálculo, cinco estados (Amazonas, Roraima, Amapá, Maranhão, Pernambuco) e o Distrito Federal não realizaram qualquer reforma digna de nota.

Nesses casos, os servidores e servidoras continuarão a se aposentar aos 60 ou 55 anos de idade, respectivamente, ao passo que a reforma federal elevou a idade mínima masculina para 65 anos e a feminina para 62 anos. O cálculo do valor da aposentadoria gera uma razão entre o primeiro benefício e o último salário (a chamada “taxa de reposição”) mais alta que na União.

Oito estados (Pará, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás) adotaram idades mínimas e fórmulas de cálculo da aposentadoria idênticas ou muito próximas às da União.

Já 13 estados (Rondônia, Acre, Tocantins, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina) ficaram no meio do caminho.

Tocantins, Rio Grande do Norte e Sergipe praticam uma idade mínima feminina igual a 60 anos, enquanto a Bahia adotou idades mínimas de 64 e 61 anos para homens e mulheres, respectivamente. Chama atenção também o fato de que o Rio Grande do Norte adotou uma redução de idade de 7 anos para professores e professoras, contra 5 anos na União e nos demais estados.

Nem todos os estados adotaram fórmula de cálculo dos proventos de aposentadoria igual à da União, isto é, 60% da média das remunerações de contribuição mais 2 pontos percentuais da média para cada ano de contribuição que exceder 20.

Rondônia e Sergipe, por exemplo, continuam a adotar a média integral das remunerações de contribuição. O Rio Grande do Norte considera 70% da média mais 2% para cada ano de contribuição além de 20; e Santa Catarina, 60% da média mais 1% para cada ano de contribuição completo.

Outra fonte de heterogeneidade é o período considerado no cálculo da média. Enquanto a União considera 100% do período contributivo desde julho de 1994, há estados que consideram as maiores remunerações correspondentes a 80% ou 90% do período contributivo.

Vários estados também adotam uma transição mais lenta na chamada regra de pontos, em que os servidores se qualificam para a aposentadoria a partir da soma da idade e dos anos de contribuição, que deve atingir uma pontuação que aumenta com o passar do tempo. Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro aprovaram regras de pontos mais generosas, permitindo aposentadorias mais cedo do que na tabela de pontos da União.

Fato similar ocorre com o chamado “pedágio,” um período adicional de contribuição para os servidores próximos à aposentadoria. Tocantins, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais e Santa Catarina exigem pedágios menores que a União.

Tanto as regras de pontos quanto os pedágios mais benevolentes implicam que uma quantidade maior de servidores poderá se aposentar antes de atingirem as novas idades mínimas.

As mudanças nas pensões por morte são especialmente importantes porque, pela reforma, começam a valer imediatamente, isto é, não há transição. Quanto a este aspecto, distinguimos entre dois atributos das pensões.

O primeiro é a fórmula de cálculo. Na União e na maioria dos estados que reformaram seus RPPS, a pensão é igual a uma cota familiar de 50% mais 10% por dependente, sendo esta última não reversível, ou seja, quando um beneficiário perde a qualidade de dependente, o valor que ele recebia não é redistribuído entre os demais.

Porém, Sergipe, Minas Gerais e Santa Catarina adotam cotas familiares iguais a 60%. Ademais, Ceará e Bahia instituíram percentuais de 20% e 15% por dependente, respectivamente. Paraíba e Rio de Janeiro, por sua vez, continuam a usar a fórmula de cálculo antiga, em que a pensão é igual a 100% da base de cálculo e as cotas são reversíveis.

A segunda característica relevante é a duração das pensões por morte pagas ao cônjuge ou companheiro do servidor falecido. Na União, a pensão é vitalícia quando o dependente tem 45 anos ou mais de idade na data do óbito, desde que o casamento ou união estável tenha mais de 2 anos e o segurado tenha realizado no mínimo 18 contribuições mensais.

Vários estados ajustaram a duração das pensões de acordo com a regulamentação federal. Mas Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte, embora tenham aprovado reformas em seus RPPS, continuam a pagar pensões vitalícias para cônjuges e companheiros independentemente da idade do dependente na data do óbito.

Ainda no que se refere aos benefícios, cumpre destacar que a situação dos municípios é mais preocupante. Informações consolidadas do Ministério da Previdência Social indicam que apenas um terço dos mais de 2.100 municípios com RPPS (729) reformularam as regras de acesso e fórmulas de cálculo dos benefícios. Entre as capitais, que em muitos casos apresentam problemas fiscais e financeiros semelhantes aos dos estados, a taxa de aprovação é apenas um pouco mais elevada (11 das 26 capitais).

Financiamento da previdência estadual

No âmbito dos estados, as principais mudanças foram no financiamento dos RPPS devido a três fatores.

Em primeiro lugar está a obrigatoriedade de majoração das alíquotas dos servidores do mínimo de 11% para 14%, com a opção de adoção de percentuais progressivos. Em segundo, a reforma permitiu a ampliação da base de cálculo das contribuições dos aposentados e pensionistas em caso de déficit atuarial. Em terceiro lugar, a instituição do Regime de Previdência Complementar (RPC), aliada à limitação dos benefícios ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), passou a ser mandatória.

Todos os estados já adotam alíquotas aderentes à EC 103/2019: 18 estados têm alíquotas iguais ao mínimo de 14%, Goiás pratica uma alíquota de 14,25% e 8 instituíram alíquotas progressivas (Roraima, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul). No estado do Piauí, contudo, a alíquota marginal máxima é igual a 14%.

Além disso, 15 estados ampliaram a base de contribuição dos aposentados e pensionistas, que antes era sempre igual à parcela que excedesse o teto do RGPS. Em 7 estados os beneficiários passaram a contribuir sobre a parcela acima do salário mínimo (Piauí, Sergipe até 2022, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal). Outros 2 instituíram recolhimentos a partir de 2 salários mínimos (Ceará e Santa Catarina). O valor de corte de 3 salários mínimos é adotado em 4 estados (Rondônia, Rio, Bahia, Minas Gerais e Paraná), enquanto outros 2 definiram a base de cálculo como a parcela acima de R$ 3.000 (Goiás) e R$ 3.500 (Rio Grande do Norte), atualizados pela inflação.

A previdência complementar de 12 estados já estava em plena operação antes da reforma (Rondônia, Piauí, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Distrito Federal). Mas a obrigatoriedade de instituição do RPC, combinada com o prazo de 2 anos para adequação, parece ter surtido efeito. Desde novembro de 2019, planos patrocinados por mais 12 estados (Acre, Amazonas, Pará, Amapá, Tocantins, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) entraram em funcionamento. A situação de Roraima, Maranhão e Rio Grande do Norte continua irregular sob essa perspectiva.

Por outro lado, somente um terço dos municípios (723 do total de mais de 2.100 com RPPS) possuem RPC operacional. Na esfera municipal, a regra é a adesão a uma entidade fechada já constituída. Os entes públicos ainda não podem patrocinar planos administrados por entidades abertas devido à ausência de regulamentação federal.

Uma reforma nacional

Avaliamos que a liberdade que a EC 103/2019 conferiu aos entes subnacionais não foi positiva. Alguns estados e a maioria dos municípios não aprovaram reformas significativas em seus RPPS, o que mais cedo ou mais tarde deve resultar na deterioração das finanças públicas.

Além disso, a proliferação de regras produz desigualdades: servidores similares em todos os aspectos estarão sujeitos a regras previdenciárias muito diferentes. Mais ainda, os servidores dos entes que não aprovaram reformas poderão acessar regras mais brandas do que as oferecidas no RGPS.

Por essas razões, acreditamos que o Congresso Nacional deve voltar sua atenção a uma reforma nacional que reunifique as regras previdenciárias no serviço público.

Rogério Nagamine Costanzi é doutor em economia e especialista em políticas públicas. Bernardo Schettini é doutor em economia e Consultor Legislativo do Senado.

Os autores agradecem a Marcos Mendes pelos comentários e sugestões.