A Medida Provisória de auxílio a empresas afetadas pelo tarifaço tem um custo aparente de R$ 9,5 bilhões, referente a: capitalização do Fundo Garantidor de operações-FGO (R$ 1 bilhão), do Fundo Garantidor de Investimentos–FGI (R$ 2 bilhões) e do Fundo Garantidor de Operações de Comércio Exterior-FGCE (R$ 1,5 bilhão). Além disso, haverá benefício tributário do Programa Reintegra, estimado em R$ 5 bilhões. Muitos analistas consideraram o custo baixo.
Este artigo procura ressaltar três aspectos da Medida Provisória.
Primeiro, indicar que há custos adicionais não incluídos neste total.
Segundo, mostrar que a forma como foi desenhada a intervenção revela a intenção de, mais uma vez, driblar as regras fiscais, minimizando o impacto no resultado primário, como tem sido costumeiro desde a aprovação do arcabouço fiscal.
O fato de uma medida não ter impacto primário não significa que ela é sem custo fiscal. O que importa é se aumenta a dívida pública. E, de fato, aumenta.
Terceiro, mostrar que se deixou a porta aberta para a ampliação das medidas e de seus custos.
A capitalização dos três fundos, acima mencionada, no total de R$ 4,5 bilhões, será desembolsada via crédito extraordinário, o que, conforme a lei do Arcabouço Fiscal, exime o governo de registrar a despesa no teto de gastos.
Ademais, o líder do Governo no Senado, Senador Jacques Wagner, apresentou o Projeto de Lei Complementar 168/25, para tirar os aportes da meta de resultado primário. Ainda a ser excluída da meta está a perda de receita de R$ 5 bilhões referentes ao Programa Reintegra.
Este não é o primeiro caso. Também houve exceção para despesas com precatórios, com a restituição dos descontos indevidos aos aposentados do INSS e com combates a queimadas e calamidade pública. Sem contar a longa lista de exceções que já consta originalmente na lei do Arcabouço Fiscal.
Da forma como está redigido o PLP 168/25, também fica fácil ampliar o valor da capitalização dos Fundos. No caput do art. 1º são previstas exceções para créditos extraordinários sem fixar valores. Os valores das capitalizações estão em artigos separados. Isso significa que, no futuro, basta editar uma medida provisória autorizando capitalização adicional, efetivar a capitalização, e deixar a MP caducar. A autorização para exclusão da meta de resultado primário – matéria que requer lei complementar – já estará vigente.
O Secretário do Tesouro admitiu que o PLP 168/25 foi redigido desta maneira porque “pode eventualmente ter necessidade de algum aporte complementar.”
E mais: a excepcionalidade não se refere apenas à capitalização de fundos, mas a todo e qualquer crédito extraordinário aprovado no âmbito da política de mitigação do tarifaço. Novas despesas, portanto, já estarão excetuadas da meta de primário.
Com relação à renúncia de receita no âmbito do Reintegra, a restrição é um pouco maior, pois é necessário lei complementar para isentar a obrigação de compensação do impacto fiscal, exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14), que é uma lei complementar.
Como o PL 168/25 fixa como limite máximo de não aplicação da compensação o valor de R$ 5 bilhões, seria necessária outra lei complementar para ampliar a renúncia tributária.
O texto da Medida Provisória tem detalhes que embutem custos adicionais. Os recursos anteriormente aportados ao FGI, para dar garantia a empréstimos aos afetados pela enchente do Rio Grande do Sul (FGI PEAC -RS), e que não foram utilizados, formarão um pool com aqueles agora destinados a apoiar as empresas. De acordo com o demonstrativo financeiro do FGI de dezembro de 2024, havia R$ 935 milhões em recursos líquidos no PEAC-RS. Esse montante poderia retornar ao Tesouro, com impacto positivo no resultado primário. Não mais retornará. Logo, representa custo adicional das medidas de ajuda às empresas.
O uso do FGCE para garantir exportações representa uma mudança na política de seguro à exportação que também vai reduzir a transparência do custo fiscal.
O seguro à exportação vinha sendo financiado pelo Fundo Garantidor de Exportações (FGE), que é um fundo que fica dentro do orçamento. A cada honra de garantia pelo FGE há impacto primário. Com o FGCE isso não ocorrerá, porque ele foi constituído como um fundo privado, portanto fora do orçamento. Assim, as honras de garantia que ele realizará reduzirão o seu patrimônio líquido, em operação que se dá fora do orçamento.
Ou seja, o FGCE, capitalizado sem impacto no teto de gastos (crédito extraordinário) ou na meta de resultado primário (PLP 168/25), fará despesas que também passarão ao largo dos limites do Arcabouço Fiscal.
O seu impacto sobre a dívida pública se dará tanto no momento da sua capitalização (R$ 1,5 bilhão), quanto pela perda patrimonial durante as honras de garantias. Se os recursos do fundo tiverem rentabilidade inferior ao custo de financiamento do Tesouro, isso também representará um custo de oportunidade do montante ali depositado.
Suponhamos que, considerando a inadimplência e uma baixa rentabilidade dos recursos, o patrimônio do FGCE cresça a uma taxa de 3% a.a. Frente a um custo de financiamento do Tesouro de 11%, o diferencial de 8% aplicado ao R$ 1,5 bilhão que será injetado no fundo representará um custo anual de R$ 120 milhões.
Parece pouco. Porém, R$ 1,5 bilhão não será suficiente para atender a demanda de garantias de exportadores brasileiros, lembrando que a intenção do governo é que este seja o novo modelo de garantia de todas as exportações, que não ficará restrito às empresas socorridas. Novos aportes serão necessários ao FGCE, e o seu custo implícito anual crescerá.
Outro detalhe relevante é que a Lei que criou o FGCE (Lei 12.712/12) permite que ele seja capitalizado via emissão direta de dívida pública. O governo não anunciou que utilizará este caminho, mas a porta fica aberta. Se houver esta forma de capitalização, será mais um caminho para driblar as regras fiscais: aumenta-se a dívida pública sem impactar o resultado primário ou o teto de gastos.
Outra medida do pacote de ajuda às empresas é a desvinculação do superávit financeiro do Fundo Garantidor de Exportações – FGE, no valor de R$ 30 bilhões, direcionando-se o montante para que o BNDES faça operações de crédito. Ou seja, o dinheiro que deveria honrar sinistros de seguro de crédito à exportação (com impacto primário), agora será funding de empréstimos subsidiados do BNDES (sem impacto primário).
Os recursos desvinculados do FGE poderiam ter como uso alternativo o abatimento da dívida pública. Logo, o custo de usá-lo para conceder empréstimos subsidiados é dado pela diferença entre o custo de financiamento do Tesouro e a rentabilidade dos recursos emprestados (já considerada a inadimplência). Suponhamos, mais uma vez, que esse diferencial de juros seja de 8% a.a.. Aplicado aos R$ 30 bilhões, temos um custo de R$ 2.4 bilhões por ano.
Ademais, não se pode esquecer que o simples fato de os recursos serem sacados da Conta Única do Tesouro, para repasse ao BNDES, implica aumento da dívida bruta nos mesmos R$ 30 bilhões, via expansão das operações compromissadas do Banco Central, que aumentam a dívida do Tesouro em poder do público.
Chama atenção o fato de que elementos de “política industrial”, não relacionados ao choque tarifário, foram introduzidos na Medida Provisória. Lê-se na Medida Provisória que o FGCE “poderá considerar, na metodologia de precificação dos prêmios de seguros, aspectos relacionados à competitividade da produção nacional”. Também poderá ser usado para “seguro de crédito interno para o setor de aviação civil”. Já os financiamentos com recursos do FGE poderão ser concedidos a “investimentos que propiciem adensamento da cadeia produtiva”. Isso indica que a legislação pode ser perenizada como ferramenta de distribuição de benefícios.
Em suma, o modelo de ajuda criado tem custos implícitos não mostrados pelo governo, pode ser facilmente expandido e perenizado, inclusive podendo contar com modo pouco ortodoxo de capitalização, como a emissão direta de títulos públicos.
Marcos Mendes é doutor em Economia.