A indicação de um homem pelo Presidente Lula para a vaga da ministra Rosa Weber – que se aposentará no fim deste mês – representaria um grande retrocesso para a democracia brasileira.

Instalado em 1891, no início da República, em 132 anos o STF teve 171 ministros. Entre eles, apenas três mulheres – e nenhuma delas negra.

A primeira mulher a ocupar uma cadeira foi a ministra Ellen Gracie – e sua indicação só ocorreu em 2000, ou seja, mais de um século depois da instalação da Corte.

A segunda magistrada a compor o Supremo foi a ministra Cármen Lúcia, indicada em 2006, e a terceira foi Rosa Weber, em 2011.

Agora, a nomeação de um homem faria o STF voltar a ter uma única mulher em sua composição e demonstraria uma terrível insensibilidade do Presidente em relação a um tema tão vital para a democracia representativa.

Enquanto a média global de participação feminina nas Supremas Cortes é de 26%, o Brasil hoje tem apenas 11,1%. A baixa representatividade feminina também marca o restante do Judiciário. As mulheres correspondem a 51,1% da população brasileira – e deste número, mais da metade é de mulheres negras – enquanto as juízas representam apenas 38,8% do total de magistrados.

“É preciso que se diga que o déficit de representatividade feminina significa um déficit para a própria democracia brasileira. Reverter essas disparidades históricas de representação é imperativo que nos desafia a todos. Homens e mulheres, partidos políticos, sociedade civil e instituições do Estado,” disse Rosa Weber no Dia Internacional da Mulher.

Na mesma ocasião, a ministra Cármen Lúcia disse ser preciso “que nós mulheres estejamos em movimento permanente. Não é só o ‘movimento de mulheres’, é ‘mulheres em movimento’. É este movimento que faz com que os homens também percebam que é realmente algo sofrível para uma mulher quando você é destratada, desvalorizada pela sua condição de mulher. A comunidade jurídica, em geral, continua sendo muito impermeável ou dificilmente permeável para a igualdade.”

É fundamental destacar ainda a baixíssima representatividade das mulheres negras na composição do Judiciário. Dados apresentados no Seminário Questões Raciais e Poder Judiciário, realizado pelo CNJ, mostram que o País tem apenas 6% de juízas negras na magistratura nacional.

A presença de mais mulheres no STF e em outras instâncias do Judiciário teria diversos impactos e contribuições significativas, tanto para a jurisprudência quanto para a sociedade.

Primeiro, porque as mulheres trazem uma perspectiva de gênero diferente para a mesa. Isso é algo reconhecido muito antes de uma mulher ser nomeada para as cortes. A tomada de decisões em um determinado grupo é muito melhor quando há diversas vozes e perspectivas envolvidas, e as mulheres trazem um conjunto único de experiências, formações e visões de mundo para a tomada de decisão.

Ademais, a presença de mais juízas pode resultar em uma análise mais sensível às questões de igualdade de gênero, direitos das mulheres e violência de gênero. Isso pode levar a decisões mais justas e equitativas em casos relacionados a essas questões.

Um caso emblemático em que a presença de ministras no STF fez a diferença foi o julgamento, em 2018, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tratava da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber defendeu a autonomia das mulheres em decisões sobre o aborto e a inconstitucionalidade de leis que criminalizavam o procedimento nas fases iniciais da gestação. A ministra Cármen Lúcia destacou que o tema diz respeito não apenas à vida de uma pessoa, mas à vida de toda a sociedade e sua compreensão sobre algo que diz respeito à concepção, nascimento, vida e morte, e afirmou que o que se espera de uma sociedade democrática é a tolerância quanto às compreensões diferentes, “tolerância que faz com que nós possamos exercer nossas liberdades de pensamento e de expressão, para que a gente possa ter uma convivência pacífica, entendendo as convicções alheias.”

Embora o resultado tenha sido um placar apertado, com a maioria dos ministros decidindo não descriminalizar o aborto, a atuação das ministras foi fundamental para ampliar o debate sobre os direitos reprodutivos no Brasil e a necessidade de mudanças na legislação vigente.

Outro importante motivo em defesa de mais diversidade no STF é uma composição da Corte que represente as pessoas a quem ela serve, o que gera confiança no Judiciário como um todo. Permitir que decisões judiciais sejam proferidas majoritariamente por pessoas que compartilham as mesmas experiências, oriundas dos mesmos segmentos sociais, impede a influência das experiências dos demais grupos sociais sobre o resultado da jurisdição, afetando o grau de confiança da população em uma instituição tão importante como o STF. Pode a democracia sem mulheres ser chamada de democracia?

As juízas no STF também servem como modelos e inspiração para outras mulheres, incentivando-as a seguir carreiras jurídicas e a se envolver em questões de justiça e direitos humanos.

Ruth Bader Ginsburg, a segunda mulher a fazer parte da Suprema Corte dos Estados Unidos, passou grande parte de sua carreira defendendo o princípio jurídico de que homens e mulheres devem ser iguais – e que a lei deve tratá-los como tal.

Conhecida carinhosamente como a Notorious RBG, Ruth tornou-se um ícone do feminismo. Em uma palestra na Universidade de Georgetown em 2015, ela disse que às vezes lhe perguntavam quantas juízas seriam suficientes para satisfazê-la. “Quando houver nove,” respondeu ela, o que significaria uma Suprema Corte só de mulheres. “Ninguém questionava quando a Corte era formada por nove homens.”

Ginsburg ensinou que a baixa representatividade feminina na Corte não é um problema das mulheres, e sim de toda a sociedade. Em outras palavras: sem mulheres no poder não há democracia.

Numa época em que o País se une para defender suas instituições, o Presidente Lula precisa colocar a escolha do próximo ministro acima de lealdades pessoais – e ser coerente com o apreço pela diversidade que fez questão de demonstrar publicamente em sua cerimônia de posse, quando mulheres, povos indígenas e negros estavam no centro da festa.

Ana Carolina Freire Gentil é conselheira da W.I.L.L. – uma organização não-governamental que fomenta a liderança feminina – e sócia fundadora de Scaramucci Gentil Advogados.