O PT está a caminho de uma excelente eleição em outubro. Pelo que dizem as pesquisas, poderá levar a Presidência e, muito provavelmente, eleger a maior bancada da Câmara. Com isso, se consolidará como o principal partido do país.
Face à debacle melancólica do PSDB, ao suicídio do antigo DEM e à reconhecida falta de identidade dos demais partidos relevantes, o PT é o único partido grande com os atributos que possuem os grandes partidos das democracias consolidadas: história, militância, organicidade, disciplina e representatividade social.
Mas nessa eleição tão crucial – com o País enfrentando um agravamento de seu drama social, a inflação reduzindo poder de compra e inúmeros desafios na saúde e na educação – cabe perguntar, parodiando Shakespeare, “O que o PT quer?”
A pergunta é mais do que pertinente – e deve ser feita tanto pelos que acreditam no PT quanto por aqueles que têm dificuldade em fazê-lo.
Indagado acerca do que pretende fazer na recente entrevista à Time, o ex-Presidente Lula respondeu que “a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições. Quem tiver dúvida sobre mim, olhe o que aconteceu nesse país quando eu fui Presidente da República.”
Em outras palavras, aparentemente a pretensão é receber uma espécie de cheque em branco para governar. Mas como cheques em branco não existem, a dúvida acerca do que Lula pretende fazer continuará perseguindo o Brasil.
Ter alguma ideia de qual será o programa a ser implementado obviamente não é importante apenas para os eleitores – fieis ou ocasionais – do PT, mas um requisito da boa democracia.
Se vencer as eleições de outubro, a tarefa do PT será hercúlea: recuperar o crescimento; levar a inflação para a meta de 3%; enfrentar o desemprego; superar a crise social; lidar com uma realidade internacional marcada pelas maiores taxas de juros dos últimos 15 anos; aprovar um conjunto de reformas; desmontar a aberração institucional representada pelo “orçamento secreto”; redefinir as bases da relação entre Executivo e Legislativo; e, last but not least, reposicionar o Brasil na geopolítica mundial.
O PT não dará conta desses desafios somente com a união com o PSB e o PCdoB e o apoio de Guilherme Boulos – e em nenhum cenário pós-eleitoral o PT e a esquerda terão maioria no Congresso.
Portanto, para evitar ficar na mão dos grupos políticos com apetite fisiológico mais aguçado, será crucial para o sucesso do futuro Governo não apenas emitir sinais ao centro para vencer as eleições, mas principalmente adotar depois uma política fiscal responsável, ainda que mesclada com a necessária preocupação social à luz não apenas das origens do partido, como também da realidade humana difícil com a qual convive o país. Certamente, essa agenda de Governo terá elementos em comum com algumas das políticas adotadas a partir do pós-Dilma, tais como a limitação à expansão do gasto público.
Mas ao mesmo tempo em que o convite ao ex-Governador Geraldo Alckmin é um aceno ao centro, Lula e o PT continuam discursando como se estivessem prestes a atacar o Palácio de Inverno, prometendo fazer terra arrasada de uma série de medidas econômicas importantes implementadas depois do Impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Isso cria um dilema para o centro no ato de votar – no primeiro ou no segundo turno – porque não fica claro em qual PT o eleitor estará votando: no que habilmente manteve as políticas de FHC e Pedro Malan em 2003, ou no que acabou nos levando ao fundo do poço em 2015/2016, com seu coquetel explosivo de contas públicas fora de controle, inflação em alta e uma recessão que parecia sem fim?
Cedo ou tarde, essa tática de “dar uma no cravo e outra na ferradura” forçará o PT a escolher entre os caminhos possíveis.
Uma parte dos eleitores potenciais de Lula no segundo turno foi às ruas pedir o impeachment de Dilma e acolheu favoravelmente a agenda do Governo Temer, que resgatou a economia de uma recessão épica.
Portanto, para uma parte do eleitorado, descrever os 13 anos dos governos do PT como um “nirvana” e o período que se seguiu como uma descida ao inferno soa no mínimo esotérico. O realismo na política é um excelente conselheiro.
É necessário aumentar o investimento público? Eu mesmo tenho defendido essa tese nos últimos meses. Faz sentido voltar a pagar os precatórios como se fazia antes da infame “PEC do calote” de 2021? Eu diria que é uma obrigação moral. Pode-se aumentar o valor real do salário mínimo? Ao se considerar as raízes do PT, é razoável concluir que algo assim poderá ocorrer. As remunerações do setor público voltarão a aumentar? Após três anos de uma contenção severa, é uma hipótese realista. Haverá pressões para aumentar a despesa com o Auxílio Brasil, provavelmente rebatizado de novo como Bolsa Família? Não há a menor dúvida.
Só tem um problema: tudo junto, não dá.
Desde 2016, os governos Temer e Bolsonaro tiveram na regra do teto o arcabouço institucional adequado para poder resistir às pressões por mais gastos.
Parece inevitável que o teto atual terá que mudar, mas aboli-lo pura e simplesmente, sem colocar outra regra razoável no lugar, abriria a porta para uma pressão irrefreável por mais gastos.
E neste caso, não nos enganemos: os juros altos voltarão para ficar conosco por um bom tempo. Ninguém comprará títulos longos no Brasil se não tiver um bom seguro contra imprevistos. Seria bom o PT entender tudo o que está em jogo.
As dúvidas acerca do que vai acontecer com o País podem se resumir a uma pergunta: o que vai ocorrer quando as pressões por mais gasto começarem a se avolumar?
Muitos analistas consideram que governos populistas só funcionam bem quando contam com vento a favor, porque, nas palavras de um jornalista latino-americano, “o populismo sem talão de cheques não tem destino”.
Vento a favor foi o que o Brasil teve até 2010. Já depois, quando se tratou de exibir responsabilidade e ter que lidar com a adversidade, infelizmente o PT meteu os pés pelas mãos e foi incapaz de ter uma postura pragmática para fazer o que era necessário.
Na Argentina, estamos vendo um script similar com o drama esquizofrênico da “patota” de Cristina Kirchner votando contra o acordo com o FMI que seu próprio Governo negociou. É nessas situações de impotência – quando aparecem os limites que a realidade impõe – que costuma aflorar o que o escritor argentino Jorge Fernández Díaz qualifica cirurgicamente como “populismo psiquiátrico”.
Mal comparando, algo similar se observa no Chile, com a inabilidade do grupo de jovens que até pouco tempo atrás eram estudantes, e agora que chegaram ao Poder com Gabriel Boric têm que lidar com a difícil responsabilidade de conduzir as questões de Estado.
Volto à pergunta prévia, à luz do que foi dito: O que o PT quer? Teremos um Governo capaz de criar uma ampla frente política ou não?
Se a ideia for implementar uma gestão populista, Geraldo Alckmin fará o papel de “rainha da Inglaterra” e qualquer “aceno ao mercado” será um simples drible para distrair os incautos em 2022 – o que, com Bolsonaro saindo da eleição provavelmente com algo em torno de 35-40% dos votos e candidato à Presidência em 2026 – com Lula com 81 anos – é uma possibilidade que deveria merecer certa reflexão.
Já se Lula fizer um Governo centrista (e frentista), está na hora de trocar o script e largar o discurso de que “não preciso dizer o que vou fazer porque todo mundo sabe o que eu já fiz”, começar a encarar a Grande Política e tratar os eleitores como adultos.
As três últimas eleições presidenciais foram marcadas por discussões programáticas rasas – quando não um estelionato ideológico na prática. Está na hora do País ter um debate de programas à altura do respeito que o eleitor merece.
Fabio Giambiagi é economista.