MEDELLÍN, Colômbia – Nos anos 90, esta era uma das cidades mais perigosas do mundo. Graças ao tráfico, a taxa de homicídio batia quase 400 por cada 100 mil habitantes. 

Mas em pouco mais de 20 anos, a cidade reduziu este indicador em dez vezes, chegando a ganhar em 2016 o Lee Kwan Yew City Prize, um dos maiores reconhecimentos em transformação urbana. 

A Comuna 13, uma de suas favelas mais perigosas, virou um lugar seguro e até um ponto turístico. Hoje a taxa de homicídios de Medellín é de apenas 15 por cada 100 mil habitantes, em linha com as melhores capitais brasileiras.

O “milagre de Medellín”, para alguns, é atribuído ao enfrentamento militar ao tráfico no período de Álvaro Uribe, presidente entre 2002 e 2010. Porém, um fator específico a Medellín foi o chamado “urbanismo social” ou “modelo Medellín”, que levou obras de infraestrutura, transporte e equipamentos sociais e educacionais de alta qualidade às áreas mais pobres da cidade.

O frustrante dessa história é saber que após inspirar essa transformação, o Brasil dificilmente terá condições de replicá-la.

Voltemos ao Brasil dos anos 1990.

Cesar Maia é eleito prefeito do Rio de Janeiro e introduz o programa Favela Bairro – uma das experiências mais emblemáticas e exitosas de urbanização de favelas da história do país. 

Além da regularização fundiária, construiu-se não só infraestrutura – como saneamento básico, iluminação pública e pavimentação de ruas – mas também creches, escolas e postos de saúde em áreas historicamente negligenciadas. 

Foi um dos poucos programas habitacionais sérios que rompeu a lógica de remoção de favelas e transferência para áreas com pouca acessibilidade a empregos e serviços.

Ao atuar sobre os espaços já construídos – onde não havia apenas casas, mas também relações sociais e padrões de mobilidade das famílias – a relação entre o custo investido e ganho social se torna ordens de grandeza mais eficaz do que políticas de remoção e reconstrução. 

Enquanto o Favela Bairro investiu cerca de 2500 dólares por família, programas como o Minha Casa, Minha Vida têm um custo expressivamente maior apenas para a construção da residência, sem contar a nova infraestrutura e o custo social da realocação.

Com a redução de recursos e a falta de uma institucionalização da política, o Favela Bairro foi gradualmente reduzido e extinto em 2008. Junto com o programa, perdeu-se o conhecimento técnico acumulado de mais de uma década na complexa operacionalização da urbanização de favelas.

Voltemos a Medellín.

Em 2002, a Comuna 13, uma favela com mais de 100 mil pessoas e uma das mais perigosas da cidade, sofre uma série de intervenções militares e paramilitares. Com perda de vidas e graves danos colaterais sociais, o estado toma controle do território. 

Sérgio Fajardo, um matemático outsider, é eleito prefeito de Medellin com um projeto claro para ocupar o vácuo institucional nas comunas mais pobres através da educação e desenvolvimento urbano. Cunhado de “urbanismo social”, uma de suas principais inspirações seria o Favela Bairro carioca.

A Comuna 13 ganhou vias de acesso e escadas rolantes para subir o morro. É inaugurado o Parque Biblioteca San Javier, o primeiro de dez estruturas sociais e educacionais. 

Em 2007, Moravia, uma comunidade de Medellin que se desenvolveu sobre um aterro sanitário, recebe um Centro de Desenvolvimento Cultural que se torna referência de gestão comunitária. 

No mesmo ano é inaugurado o Parque Arví, um parque natural de 16 mil hectares acessível por teleférico. Chamado de Metrocable, o sistema de “bondinhos” se tornou solução emblemática de Medellín para vencer o terreno acidentado e acessar as comunidades autoconstruídas.

Governos seguintes deram continuidade à estratégia de sucesso. Em 2014 surgem as primeiras UVAs (Unidade de Vida Articulada), hoje um conjunto de 14 praças e centros comunitários construídos sobre reservatórios de água que de outra forma seriam apenas tanques cercados. 

Inúmeros outros exemplos poderiam ilustrar o modelo Medellin, incluindo uma penitenciária convertida em centro de tecnologia, e centros culturais e sistemas de transporte nas áreas mais pobres da cidade. 

Muitos desses projetos foram resultado de concursos arquitetônicos envolvendo a participação da comunidade, e acabaram trazendo o melhor da arquitetura colombiana e mundial.

No Brasil, temos um estado com burocracia travada, incapaz, na maioria das vezes, de executar as tarefas mais simples, como cuidar da pracinha do bairro. 

Medellín seguiu um caminho diferente. 

A Empresas Públicas de Medellín (EPM) é 100% controlada pela cidade e é e a segunda maior empresa da Colômbia, ficando atrás apenas para a gigante petrolífera Ecopetrol. 

A estatal municipal de infraestrutura é uma grande public utility – uma Sabesp, Comgás e Eletropaulo combinadas.

Além de atender as demandas de luz, água, gás, resíduos e telecom da cidade, é a EPM que constrói e gere as UVAs. Trata-se de uma empresa estatal, mas lucrativa.

Nos moldes de uma empresa privada, ela é gerida com independência das marés e interesses políticos. Há mecanismos de governança que protegem sua autonomia e, principalmente, uma forte cultura organizacional que repele interferências indesejadas. O entendimento pela população que o sucesso da EPM é revertido para a cidade é também um fator decisivo para que tenha suporte da Prefeitura.

Outro ator determinante para o sucesso de Medellín é o Metro, responsável pelas principais operações de transporte de massa na cidade. De propriedade dividida entre o município e o estado da Antióquia, ele gerencia o metrô, os teleféricos, o BRT (Bus Rapid Transit), o VLP (Veículo Leve sobre Pneus) e a integração tarifária entre todos os sistemas. 

Embora receba uma série de subsídios e repasses financeiros, é uma empresa que apresenta altas margens de EBITDA e é financeiramente responsável, emitindo bonds para financiar investimentos e publicando seus resultados aos investidores.

Outro pilar do setor público é a EDU, a Empresa de Desenvolvimento Urbano. Ela desenvolve, executa e gere projetos de urbanização de favelas, construção de obras públicas municipais, e desenvolve planos de desenvolvimento imobiliário junto à iniciativa privada, sua principal fonte de financiamento. 

Para tal, a EDU conta com uma equipe qualificada e uma produção de dados e análise geoespacial invejáveis para apoiar seu trabalho.

Depois de inspirar este modelo de sucesso, o Brasil olha para Medellín para reaprender como fazer – e é comum que se olhe apenas para as obras construídas como objeto a ser replicado. 

No entanto, a distância que separa a realidade brasileira da de Medellín não são meros tijolos ou estruturas de concreto, mas sim o contexto institucional que permitiu realizá-los. 

Segundo o Censo de 2022, o Brasil tem 16 milhões de pessoas morando em favelas, quase sempre exigindo intervenções complexas, de longo prazo e uma capacidade de execução estatal que raramente está presente. 

O exemplo do Favela Bairro é emblemático para ilustrar como mesmo bons projetos acabam morrendo sem uma estrutura que consiga torná-los perenes e independentes. 

O modelo de Medellín nos traz, na melhor das hipóteses, modelos organizacionais de estatais que poderíamos adotar no Brasil. Mas, como diz o sentido da própria palavra, milagres são difíceis de replicar.

Anthony Ling é urbanista e editor do Caos Planejado.