O choque liberal que o novo Governo está aplicando à economia precisa ser estendido também ao mercado de capitais brasileiro, onde o investidor, de modo geral, é tratado como um incapaz e ainda se verifica um elevado custo de observância das normas aplicáveis, onerando os participantes.
 
Milton Friedman, o expoente da Escola de Chicago, escreveu que “a essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas, sujeito somente à obrigação de não interferir com a liberdade de outros fazerem o mesmo.”
 
Existem hoje boas chances de as reformas estruturais serem aprovadas, de os juros permanecerem nos menores níveis históricos (para pesadelo dos rentistas) e de o Brasil continuar a usufruir de um ambiente político-institucional estável e democrático. Nesse cenário, nosso mercado de capitais tende a desempenhar um papel cada vez mais relevante.
 
No Brasil, o poupador interessado em taxas minimamente atrativas precisa correr para investimentos diferentes, frequentemente mais arrojados, eventualmente menos líquidos e com outros tipos de risco. O crescimento expressivo dos agentes autônomos de investimentos e das captações de fundos de investimento são sinais claros desse movimento. Para 2019, a bolsa de valores é apontada pelos especialistas como um dos investimentos mais promissores, o que é extremamente saudável.
 
​Com o aquecimento do mercado de capitais, uma questão regulatória a ser enfrentada consiste no fato de que o investidor ainda é tratado como a parte hipossuficiente da relação que se estabelece entre poupador e tomador. Percebe-se, nas regras atuais, uma presunção quase absoluta de incapacidade para uma adequada e refletida tomada de decisão por parte do investidor. 

Diversas opções de investimento – acompanhadas de expectativa de rentabilidade mais expressiva e dos respectivos riscos – ficam restritas apenas a um seleto clube de investidores.  Por exemplo, o investimento em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e em Fundos de Investimento em Participações (FIP) apenas é permitido aos chamados ‘investidores qualificados’, que são aqueles com mais de R$ 1 milhão em investimentos financeiros, o que representa um número ainda reduzido de pessoas físicas no Brasil.

Além disso, a participação em ofertas públicas sob esforços restritos — um canal de acesso ao mercado de capitais largamente utilizado em emissões de debêntures, notas promissórias, securitização imobiliária e do agronegócio — é reservada somente a investidores profissionais, com mais de R$ 10 milhões em investimentos financeiros, requisito que restringe ainda mais o público-alvo de pessoas físicas.

Já existem boas iniciativas colocadas em curso por parte das autoridades competentes, como os programas de redução do custo de observância pelos regulados, promovida também pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM); autorização para investimento indireto em criptoativos no exterior; o desenvolvimento do sistema de supervisão baseada em risco (SBR); novas diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN). De todo modo, há espaço para que tais medidas sejam intensificadas e outras sejam promovidas com uma abordagem liberal mais clara. 
 
Nesse sentido, é importante assegurar a obrigatoriedade de que todas as informações e riscos pertinentes estejam disponíveis ao público investidor — sempre de forma completa, precisa e verdadeira — mas também reforçar que cabe ao investidor, e somente a ele, a decisão sobre o investimento.
 
O País precisa também de uma definição mais firme sobre as atribuições e responsabilidades dos agentes responsáveis pelas operações de mercado (os ‘gatekeepers’). Os participantes que não desempenharem suas atribuições de acordo com as regras, mandatoriamente, precisam receber punições tempestivas. O mesmo racional se aplica aos administradores de companhias abertas e de recursos de terceiros envolvidos em irregularidades e atividades criminosas.
 
Esta questão também vale como reflexão para os já mencionados FIPs e as ofertas públicas de valores mobiliários sob esforços restritos. Por terem servido de palco para escândalos desvendados recentemente, esses instrumentos viraram sinônimo de palavrão no mercado de capitais e passaram a ser considerados, indevidamente, como os grandes vilões do momento.
 
Mas no caso destes institutos – tão importantes para o desenvolvimento do Brasil – são os agentes responsáveis que precisam ser punidos, com rigor e em observância às normas aplicáveis. Os FIPs e as ofertas com esforços restritos continuam a ser mecanismos eficientes de financiamento das atividades produtivas. Friedman foi direto ao ponto ao dizer que “não há excesso de liberdade se aqueles que são livres são responsáveis; o problema é liberdade sem responsabilidade”.

O novo Governo mostra disposição para mexer em temas polêmicos e sensíveis em diversas áreas da economia. A regulação e autorregulação do mercado de capitais não podem ficar de fora. O momento é oportuno para uma reflexão sob a ótica liberal em todas as esferas — legislativa, administrativa e regulatória — com menos foco no Estado e mais atenção à liberdade dos indivíduos e do investidor.
  

Alexandre Costa Rangel é advogado especializado em mercado de capitais, sócio do Costa Rangel Advogados.  Trabalhou na Comissão de Valores Mobiliários e no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional – CRSFN.