A Operação Carbono Oculto reabriu um intenso debate sobre a necessidade de aumentar o controle sobre as fintechs. Com sua menor regulamentação, quando comparada com a dos bancos, elas estariam sendo capturadas como porta de entrada do crime organizado no mercado financeiro por meio de estruturas ilícitas.
Sempre é possível rever e melhorar o marco normativo de determinado setor econômico – e não há dúvida de que investigações criminais podem oferecer muitos inputs para o trabalho de aprimoramento da regulamentação do setor financeiro.
A reação do Banco Central na semana passada – encerrando as contas-bolsão e as contas-laranja e impondo novas exigências de capital mínimo para instituições de pagamento e fintechs – talvez marque uma inflexão institucional relevante: o início de um novo ciclo de maturidade regulatória no Sistema Financeiro Nacional. A ver.
No entanto, precisamente pela importância do trabalho de revisão em curso da regulamentação das fintechs, ele precisa ser feito com cuidado, numa compreensão holística e madura tanto das causas das vulnerabilidades como dos efeitos sistêmicos de eventuais alterações.
É preciso construir uma estrutura de confiança entre a inovação e a estabilidade do sistema, baseada na identificação correta e transparente dos fatores internos e externos ao setor. É equivocado – e disfuncional – pensar que se podem curar todas as variáveis de aumento da criminalidade com um mero arrocho regulatório sobre entes privados.
Deve-se, em primeiro lugar, reconhecer que a menor regulamentação das fintechs não é fruto do acaso, mera inércia dos órgãos reguladores diante das inovações.
Há um profundo sentido social e econômico na regulamentação diferenciada das fintechs em relação aos bancos tradicionais. A inovação em setores tradicionais e oligopolizados não é um processo endógeno, natural, como às vezes se imagina. Foi necessário construir as condições para a entrada de novos agentes, possibilitando assim a competição, a redução estrutural de custos dos serviços e uma miríade de novas oportunidades ao consumidor.
É preciso, portanto, calibrar muito bem as mudanças. O desafio do momento é equilibrar a regulação para que a prudência não se transforme em freio à inovação. As novas normas são, a um só tempo, um convite à profissionalização e um teste de governança, o que é positivo, mas seus efeitos sobre os custos precisam ser avaliados de forma contínua.
Parece óbvio – e à primeira vista fácil – pregar e impor às fintechs normas como “Know Your Client” (KYC) nos moldes exigidos às instituições financeiras tradicionais. Tais regras, no entanto, teriam enorme impacto sobre todo o ambiente de inovação, com um imediato aumento de custo para o sistema e, consequentemente, de custos dos serviços, o que seria despejado sobre o consumidor.
No que diz respeito à redução dos limites operacionais e das alçadas, o Banco Central substituiu o antigo capital mínimo fixo de R$ 1 milhão (vigente desde 2013) por um modelo escalonado e baseado em risco, com faixas entre R$ 9,2 milhões e R$ 16 milhões, ajustadas ao perfil de cada instituição.
O cálculo leva em conta o risco operacional, de crédito e de liquidez, além da complexidade tecnológica das operações. Essas restrições retiram a isonomia do sistema, uma vez que tratam uniformemente segmentos diversos, sem estabelecer limites razoáveis às diferentes funções e contribuições de cada um à concorrência.
As vantagens sistêmicas provenientes de um marco regulatório específico para as fintechs são reconhecidas pelos próprios bancos tradicionais. Quando compram fintechs, eles não as incorporam em sua estrutura institucional. Buscam preservar o status jurídico das adquiridas, muito conscientes de seus efeitos positivos também para sua operação enquanto instituição financeira.
A melhoria do marco jurídico das fintechs envolve também compreender as causas das vulnerabilidades. Ao contrário do que pode parecer numa apreciação superficial, muitas das deficiências encontradas, por exemplo, na Operação Carbono Oculto não são fruto propriamente das fintechs ou de sua específica regulamentação.
São problemas que já estavam presentes no sistema e se tornaram visíveis precisamente em função da eficiência proporcionada pelas fintechs. Aqui, a tarefa de fiscalizar cabe essencialmente ao Estado, que também tem de se modernizar para prevenir e identificar a criminalidade.
Por isso, em vez de atacar a causa de vários problemas detectados, simplesmente aumentar a regulamentação das fintechs pode significar colocá-los de volta debaixo do tapete.
Nada disso é teórico.
Uma resposta apressada em meio à comoção momentânea terá seu preço – e quem irá arcar é o consumidor final, que pagará pela nova moldura institucional, ora em implantação.
O aumento das exigências de compliance implica em aumento do custo de transação, sem que se saiba se o novo arcabouço servirá aos objetivos pretendidos de segurança. Sem entender as especificidades das fintechs, este novo compliance pode ser mera burocracia adicionada, sem efetiva redução de risco. A inteligência preventiva deve começar com o Estado, no geral, e com o Banco Central, especificamente.
Não se defende aqui um imobilismo regulatório. Mudanças – quando resultado de um processo sereno de diagnóstico, transparência e diálogo – são bem-vindas. Mas não se deve atuar com pressa e sob comoção, fruto do último escândalo e do momento de debate sobre a criminalidade no País.
É necessário, antes, entender o funcionamento do sistema como um todo e, a partir daí, ponderar as possíveis correções. O Brasil tem um ecossistema financeiro robusto e inovador, que merece ser preservado. A liberdade para inovar demanda prudência de quem governa. As medidas a serem tomadas ainda precisam ser testadas, mas seus custos serão imediatos.
Francisco Petros é advogado, economista e conselheiro de administração.
Nicolau da Rocha Cavalcanti é advogado criminal, mestre e doutorando em direito pela USP.











