Aqui e ali, começa a haver relatos preocupantes de que alguns setores do governo gostariam de flexibilizar a meta fiscal.

É importante que todos compreendam a necessidade de defender com unhas e dentes a credibilidade da regra fiscal recém aprovada, bem como a manutenção da meta de déficit primário “zero” no ano que vem – ambos fundamentais para consolidar o cenário de melhora da economia esperada por todos os brasileiros.

Qualquer mudança na meta fiscal, dada a dificuldade de o governo conseguir a receita extra para cumpri-la, pode trazer de volta a incerteza dos investidores quanto ao compromisso do País com o equilíbrio fiscal, a redução da inflação e o crescimento.

Maior incerteza significa preços mais caros, menor investimento, menor crescimento e aumento do desemprego.

É importante que os diversos atores dentro do Governo se lembrem de onde estávamos no começo do ano e do quanto avançamos de lá para cá, assim que o compromisso fiscal ficou claro.

O ano começou com uma incerteza atroz. Não sabíamos se haveria um esforço genuíno para controlar o crescimento da despesa em um País onde o crescimento médio real da despesa sem juros do governo central foi de 6% ao ano de 1997 a 2015.

Ninguém sabia qual seria o crescimento real da despesa no terceiro mandato do Presidente Lula: 3%, 6% ou 8% ao ano?

O orçamento aprovado para 2023 sinalizava um crescimento da despesa sem juros do governo central de 18,3% do PIB em 2022 para 19,1% do PIB este ano, e um déficit primário de R$ 230 bilhões (2,2% do PIB), ante um superávit de R$ 54 bilhões (0,5% do PIB) no ano anterior.

Ou seja, começaríamos o novo governo com uma política fiscal expansionista e uma piora das contas públicas projetada no orçamento de quase R$ 300 bilhões.

Nos primeiros meses do ano, as taxas de juros projetadas mostravam um País com taxas nominais acima de 13% ao ano pelos próximos 14 anos!

O dólar também estava caro: R$ 5,35, apesar da expectativa de um terceiro recorde anual consecutivo na balança comercial. Por fim, a nossa Bolsa, em queda livre até o final de março, dificultava o acesso à emissão de ações para fugir da taxa de juros alta.

O cenário de inflação do primeiro trimestre do ano, com a incerteza sobre como reduzir o buraco fiscal e um debate de mudança de meta de inflação, fez o mercado projetar taxas de inflação muito acima da meta de 3% até 2026: a inflação implícita, ou seja, a inflação estimada nos papéis do Tesouro estava acima de 7% ao ano.

Como sabemos agora, a boa notícia é que esse cenário sombrio foi revertido.

No fim de março, a equipe econômica apresentou o novo regime fiscal, estabelecendo que a despesa não financeira do governo central só poderia crescer 70% do crescimento da receita e, independentemente disto, o crescimento real da despesa não poderia passar de 2,5%. Mas a despesa também teria um piso: não cresceria abaixo de 0,6% real.

O governo prometeu também que a meta de déficit primário (receita menos despesa sem computar pagamento de juros) seria “zero” em 2024, mas teria uma faixa de tolerância de 0,25 ponto do PIB para mais ou para menos, ou seja, mesmo com a meta “zero”, o governo teria uma espécie de faixa de segurança para o resultado primário prometido, o que significa a possibilidade de entregar um déficit primário perto de R$ 30 bilhões no próximo ano e, mesmo assim, cumprir a meta “zero”.

Ainda no primeiro trimestre, o governo já havia adotado medidas importantes que permitiram uma forte redução do déficit primário projetado para este ano de R$ 230 bilhões para perto de R$ 100 bilhões. Depois, com a divulgação do novo regime fiscal, a equipe econômica estabeleceu como meta chegar ao final do governo com um resultado primário positivo de R$ 100 bilhões (1% do PIB).

Isso significa um ajuste de cerca de R$ 200 bilhões ao longo dos próximos três anos, o que exigirá um esforço grande de arrecadar mais com a recomposição de receitas e mudanças em regimes especiais tributários, pois já está dado que a despesa do governo central crescerá nos próximos anos.

Apesar do enorme desafio de fazer um ajuste fiscal dessa magnitude em três anos baseado no forte crescimento da receita, os investidores se animaram com a sinalização de responsabilidade fiscal do novo governo.

Do final de março até o final de julho, as taxas de juros esperadas para os próximos anos caíram cerca de 3 pontos percentuais, o dólar despencou para perto de R$ 4,70, e a Bolsa subiu 20%, reabrindo parcialmente o mercado de capitais para a emissão de dívida e ações.

Com a sinalização de um maior rigor fiscal e a manutenção da meta de inflação em 3%, o cenário de inflação mudou da água para o vinho.  Na última pesquisa Focus, há poucos dias, o mercado estimava que este governo terá a menor inflação média de todos os governos desde o Plano Real, em 1994.

Inflação esperada mais baixa significa cortes de juros mais cedo, o que o BC já começou a fazer no início de agosto.

Atualmente, o mercado já projeta a volta da taxa de juros para um dígito em meados de 2024. Se o governo conseguir entregar as metas de primário e avançarmos nas reformas, em especial a tributária, podemos ser surpreendidos com cortes mais rápidos da taxa de juros pelo Banco Central e pelo mercado (as taxa de juros longas).

Antes de sequer considerar qualquer mudança numa estratégia que tem se mostrado vencedora, Brasília precisa se lembrar do progresso que fizemos no crescimento e na geração de empregos.

No início do ano, o mercado esperava que o PIB crescesse apenas 0,9% este ano, mesmo levando em conta a supersafra de grãos de 317,6 milhões de toneladas este ano.  Agora, o mercado já projeta crescimento perto de 3% em 2023.

Dado o cenário de corte de juros que depende das expectativas de inflação – que são muito afetadas pelos sinais de responsabilidade fiscal que vêm de Brasília, inclusive do Congresso – a confiança de que o governo fará todo o esforço possível para entregar a meta de primário tem sido fundamental para o mercado apostar no ciclo de queda de juros e em um crescimento maior no próximo ano.

Um crescimento maior significa também uma taxa de desemprego mais baixa. A taxa de desemprego terminou o primeiro semestre do ano em 8%, a menor taxa de desemprego desde 2015.

Espero que nas próximas semanas os investidores possam ter a certeza que o debate sobre uma mudança da meta de primário não prosperou porque nós, como sociedade, já entendemos a importância de fazer o dever de casa do ajuste das contas públicas – um ajuste sem o qual não podemos ter inflação baixa, crescer mais, gerar mais empregos e reduzir a pobreza.

Será que todos entendemos isso? Por que mexer numa economia que está ganhando?

Mansueto Almeida é economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional.