A analogia não é nada elegante, mas ajuda a compreender os dilemas na adoção de regra fiscal. Ela equivale a uma dieta para perda de peso. Pessoas disciplinadas, com hábitos saudáveis, cujo peso pouco oscila ao longo do tempo, não precisam se comprometer com dietas. A disciplina vem de forma natural, pela preocupação com a saúde, hoje e no longo prazo. Excessos ocorrem, mas são rapidamente corrigidos. Por outro lado, a dieta não é garantia de nada; é necessário perseverança. Sem isso, tem-se o efeito sanfona.

Regras fiscais são particularmente necessárias em países com maus hábitos como o Brasil, onde a disciplina fiscal não é uma crença consolidada, autorizando a sanha de governantes e de grupos organizados com influência relevante na composição do orçamento público, sem haver freios institucionais moderadores. Procura-se maximizar os ganhos de curto prazo, deixando a fatura para o próximo governante ou para a próxima geração.

Um obscuro jogo de ganhos e perdas também afeta a geração corrente. Além de inflação, dívida pública e carga tributária mais elevadas, temos como resultado maior rigidez orçamentária e ciclos fiscais/econômicos mais acentuados. A regra fiscal é uma resposta da sociedade para conter os excessos, pela iniciativa de governantes que buscam ganho de reputação na gestão da política fiscal.

Desenhar uma boa regra não é tarefa fácil. Ela não pode ser muito flexível. Precisa embutir uma boa dose de sacrifício, de modo a sinalizar uma trajetória de redução da dívida pública (como % PIB) adiante. A discussão sobre excluir várias despesas do teto – como investimentos, o Auxílio Brasil, o Minha Casa Minha Vida – preocupa, ainda mais por estar desconectada de propostas de reformas fiscais, sem contar a falta de atenção à baixa efetividade dessas políticas públicas.

Por outro lado, uma regra muito rígida deixa de ser crível, sendo que esse cálculo passa pela disposição e capacidade política do Executivo de enfrentar grupos organizados e aprovar reformas difíceis no Congresso. Lula 2 e Dilma nem sequer tentaram aprovar reformas fiscais, assim como Bolsonaro desde a aprovação da reforma da Previdência. Aqui, uma provocação: se a gestão fiscal do atual governo tivesse sido mais cautelosa, provavelmente a inflação (e a taxa de juros) não teria começado a subir antes no Brasil do que nos demais países e tampouco seria tão teimosa. E talvez o resultado eleitoral tivesse sido outro.

É importante que a regra seja simples, para uma fácil implementação e monitoramento de seu cumprimento pelos agentes econômicos e pelas instituições democráticas e de controle – uma grande vantagem da regra do teto. Nesse sentido, as regras que têm sido propostas por vários especialistas que colocam a dívida pública como parâmetro para apertar ou afrouxar gastos poderão se mostrar inadequadas, especialmente em um país com inflação e juros com elevada flutuação, impactando a dinâmica da dívida. De quebra, regras complexas podem abrir espaço para contabilidade criativa, inaugurada no Lula 2 e ampliada perigosamente com Dilma.

Para a regra funcionar, atingindo seu objetivo de proporcionar previsibilidade aos agentes econômicos em relação aos rumos da economia, é necessário perseverança, com resultados recorrentes. Reputação é resultado da consistência das ações. Nesse quesito, nossa nota é muito baixa. Estamos sempre a desrespeitar as regras fiscais e, nos últimos anos, alteramos com facilidade a regra do teto – importante reconhecer que o PT votou contra a PEC dos Precatórios, mas votou a favor da PEC Kamikaze e de muitas outras medidas contrárias às boas práticas na gestão fiscal.

Os agentes econômicos toleraram (infelizmente) o retrocesso promovido por Bolsonaro por conta dos superávits primários recentes – não é o caso agora, pois o déficit primário está contratado para 2023. Assim, qualquer que seja a nova regra, ela já nasce com baixa credibilidade, o que significa um maior esforço necessário para conter o crescimento da dívida pública e trazer a inflação para a meta.

O mais sensato seria manter a regra do teto, mas com um ajuste marginal para corrigir o orçamento “fake” deixado por Bolsonaro, resultante da ausência de reformas. Como ensina Marcos Mendes, além do valor do teto estar inflado artificialmente em R$ 23 bilhões, pois foi calculado com taxa de inflação (7,2%) superior ao resultado esperado (abaixo de 6%), deixa um espaço para despesas discricionárias (R$ 30 bilhões) insuficiente para o funcionamento da máquina, além de não prever recursos para medidas aprovadas pelo Congresso (R$ 60 bilhões).

Esse cenário, no entanto, tornou-se pouco provável já que o teto se tornou um espantalho. Ataca-se a regra quando o debate construtivo seria sobre os detalhes do plano do próximo governo para reequilibrar as contas públicas. Estamos nos desviando daquilo que realmente importa. A propósito, precisa ser um plano muito bem estruturado por conta da elevada rigidez de despesas, não havendo espaço para “controle de boca de caixa” do passado, quando Lula governou, e do fato de o esforço fiscal necessário hoje ser bem maior do que aquele conquistado por Palocci.

É longa a lista de maus hábitos, e que se repetem com a PEC da Transição. Se a estratégia de Lula for esticar a corda o máximo possível agora para depois, como antídoto ao mau humor de investidores, buscar um nome de grande reputação para o Ministério da Fazenda, fica a dúvida se isso será possível.

Zeina Latif foi secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e é autora do livro “Nós do Brasil: nossa herança e nossas escolhas”.