No início do segundo ano de seu mandato, o Governo Lula ainda sofre com a falta de uma identidade clara.
Nossa pesquisa AtlasIntel publicada hoje mostra que, pela primeira vez desde que começou esta gestão, a aprovação do presidente Lula caiu abaixo de 50% — de 52% em janeiro para 47% em março.
O mesmo aconteceu com sua imagem positiva, que sofreu uma queda de quatro pontos, chegando também a 47% e sendo ultrapassada pela imagem negativa (49%), algo que não ocorria desde agosto de 2022.
Esses resultados aparecem ao mesmo tempo em que o bolsonarismo sofre seus mais duros golpes da Justiça, uma situação que teoricamente permitiria ao governo capitalizar em cima da sina da oposição. Não está sendo o caso.
Diferentemente dos mandatos anteriores do petista, esta gestão não possui grandes marcas capazes de unir a sociedade e enviar mensagens fortes, como foi o caso do Fome Zero, da Bolsa Família ou do PAC. Em um País ainda amargamente polarizado, a principal pauta com a qual o Governo foi eleito — a defesa da democracia — entrega apenas uma certa margem de união nacional.
Em comunicação, a ausência de uma marca, de uma mensagem forte, dificulta a compreensão do público. A falta de marcas capazes de comunicarem em termos simples o principal foco do governo torna difusas a atenção e a compreensão da população. Assim, sua percepção do governo é pautada pelas formas mais simples de comunicação: polêmicas, contradições, notícias mais recentes.
Nesta era de comunicação instantânea e disparos em massa, esses estímulos se proliferam mais rápido e mais eficientemente que a comunicação do governo, principalmente quando essa comunicação não possui eixos estratégicos claros e uma visão integradora.
A defesa da democracia foi a grande pauta mobilizadora durante as eleições de 2022.
Lula se elegeu como oposição a Bolsonaro, usando a rejeição ao então presidente e suas declarações antidemocráticas para agregar votos além da base petista. A percepção de que Lula seria mais desejável ainda se mantém, com os entrevistados julgando que o governo atual tem um desempenho melhor que seu antecessor em todas as áreas contempladas na pesquisa.
Porém, “não ser Jair Bolsonaro” não é suficiente para sustentar a identidade do governo.
Bolsonaro foi declarado inelegível e está sob investigação em diversos inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Sua rejeição tem se mantido estável acima dos 50% desde sua derrota nas urnas. Seja ele (ainda) a ameaça à democracia que era em 2022 (ou não), o ponto de referência para avaliar o desempenho do atual governo não pode continuar sendo indefinidamente a gestão Bolsonaro, ainda mais quando ele não é elegível e quando outras lideranças de direita estão assumindo um protagonismo maior.
À medida que nos afastamos do seu mandato, Bolsonaro perde mais e mais relevância como bicho-papão para sustentar o governo Lula, que será julgado pelos seus próprios méritos. A pauta de defesa da democracia se perde em meio às narrativas rivais fomentadas pela polarização.
Enquanto isso, a população espera que o governo entregue resultados concretos, principalmente traduzidos em aumento de renda e empregos. No entanto, a expectativa de que a situação econômica do Brasil piore nos próximos seis meses aumentou de 37% para 42% entre o último levantamento da AtlasIntel, em janeiro, e o de hoje. As áreas mais bem avaliadas do governo Lula têm sido relações internacionais e direitos humanos: ambos com potencial limitado de votos e até de compreensão geral.
A pesquisa revela que todas as áreas de governo possuem um saldo negativo entre avaliações positivas e negativas, que vão de -5 pontos em agricultura a -42 pontos em segurança pública. Não há uma identidade clara do que o governo deseja transformar na educação, na saúde ou na geração de emprego e renda, por exemplo. A população percebe isso.
É sintomático que a piora nas avaliações do governo se dê no exato momento em que o bolsonarismo está mais fragilizado, em meio às investigações de tentativa de golpe de Estado. O governo falha em propor e traduzir sua agenda positivamente mesmo em um cenário politicamente favorável.
Em vez disso, posicionamentos polêmicos ajudam a dar um respiro e remobilizar a base bolsonarista em torno de pautas ideológicas. A contradição entre ter sido eleito em defesa da democracia e relativizar os atos de Putin e Maduro aliena eleitores de centro e centro-direita que votaram contra Bolsonaro, e não a favor de Lula.
Os embates diplomáticos com Israel — após o presidente comparar as ações do Estado em Gaza ao Holocausto — incendiaram a considerável parcela evangélica do eleitorado, com quem o governo supostamente pretendia estreitar os laços.
Não por acaso, a avaliação positiva do desempenho do Governo na área de relações internacionais despencou 15 pontos entre novembro e março, com as avaliações “ótimo/bom” caindo de 53% para 38%. A identidade do governo passa a se pautar no embate no campo externo, e não na proposição em seu próprio terreno.
O governo Lula atua em um ambiente no qual não basta manter e mobilizar sua própria base. Com a sociedade brasileira ainda de certa forma fraturada, é necessário ampliar seu diálogo especialmente com quem está fora da base petista.
Lula entende que precisa fazer esse movimento com o Congresso de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco — e é tido como hábil em amealhar opositores no meio político. Infelizmente para o Planalto, falta esta mesma habilidade ser aplicada no diálogo com uma sociedade complexa e heterogênea.
Yuri Sanches é head de risco político da AtlasIntel e Pedro Azevedo é analista de risco político do mesmo instituto de pesquisa.