Para quem só tem martelo, todo problema é prego. Incapaz de reduzir o peso do Estado, a única solução do Governo para equacionar as contas públicas é criar tributos. Só que a determinação de castigar o contribuinte caminha de mãos dadas com um crônico planejamento insuficiente das consequências.
Na quinta-feira passada, com a certeza dos suicidas, o Governo anunciou alterações na legislação do IOF para aumentar o imposto – para, menos de 12 horas depois, voltar atrás e suspender parte da medida, transformando em certeza aquela impressão de que a equipe econômica anda perdida.
Afora seus efeitos econômicos desastrosos, encarecendo consideravelmente o crédito com a Selic beirando os 15%, o decreto da semana passada desfila também defeitos jurídicos incontornáveis, revelando nítido abuso no exercício de uma prerrogativa que a Constituição atribuiu ao Poder Executivo para ser utilizada sob circunstâncias bem delimitadas.
Em se tratando daquilo que se costuma chamar “tributo extrafiscal” – aqueles concebidos para ter como função precípua a regulação de determinados mercados – o IOF foi excepcionado pela Constituição de duas das chamadas “limitações constitucionais ao poder de tributar”: a legalidade, que exige que a alteração seja feita por lei, com a participação do Poder Legislativo; e a anterioridade, que impõe a observância de um prazo entre a publicação do ato normativo e o início de seus efeitos: a chamada noventena e a anterioridade do exercício financeiro.
As justificativas para tal exceção são compreensíveis. Afinal, mercados como o cambial e o de crédito são extremamente dinâmicos e voláteis, não raro exigindo das autoridades respostas cuja rapidez é incompatível com o rito legislativo e com as regras da anterioridade – no mínimo um intervalo de 90 dias entre a publicação do ato e o início de seus efeitos.
Mas essa prerrogativa não equivale a um cheque em branco.
Ou seja, não pode o Governo dela se valer para aumentar a carga tributária, subvertendo a própria lógica que justifica a exceção. Se estamos a falar de aumento de tributo puro e simples, devem ser atraídas limitações constitucionais ao poder de tributar.
Definitivamente, esse é o caso do decreto da última quinta-feira. O caráter exclusivamente arrecadatório da medida fica evidente já pelo contexto em que se deu seu anúncio.
Ao detalhar a medida, o Governo indicou que pretende arrecadar, ainda em 2025, R$ 20,5 bilhões com o aumento do IOF, deixando claro que a cifra servirá para cobrir parte do rombo de R$ 31,3 bilhões gerado por conta da frustração de receitas consideradas no orçamento.
Para a surpresa de um total de zero pessoas, a quase integralidade da receita frustrada (R$ 28 bilhões) corresponde à revisão – a zero – da amalucada expectativa de arrecadação com o “voto de qualidade” no CARF. Mesmo tendo arrecadado com a medida somente algumas centenas de milhões em 2024, como já tive a oportunidade de alertar aqui no Brazil Journal, a Receita Federal resolveu insistir no erro e repetir, na peça orçamentária de 2025, as mesmas projeções delirantes que constavam do orçamento do último exercício.
Para tornar ainda mais constrangedora a situação, o Presidente do Banco Central apressou-se em tornar público que não fora consultado sobre o aumento do IOF e que não o aprovava, afirmando com todas as letras que “o objetivo ficou bastante evidente que era fiscal, de meta de superávit”.
Ora, é evidente que não se pode admitir a supressão das garantias de previsibilidade daqueles que planejaram suas atividades sem antever o acréscimo brutal ao custo do crédito e de determinados investimentos trazido pelo decreto, bem como da confiança legítima dos contribuintes que, embora tenham celebrado negócios antes da medida, ainda assim serão por ela afetados.
Dessa vez, a trapaça à confiança legitimamente gerada nos contribuintes é tão acintosa que deixou rastros na própria legislação. É que o novo Decreto torna sem efeito medida anterior que reduzia o IOF-Câmbio gradualmente até zerá-lo completamente em janeiro de 2029. Por óbvio, os efeitos dessa redução progressiva já haviam sido precificados pelos agentes econômicos nas operações de longo prazo efetuadas desde que esse compromisso formal havia sido assumido – inclusive como condição para o almejado ingresso do Brasil na OCDE.
Espera-se, portanto, que o Congresso Nacional determine a sustação da medida, restando induvidoso que o Executivo extrapolou seu poder de regulamentar. E aos contribuintes, resta apertar os cintos, pois está dado que o Governo, em matéria tributária, está sempre um passo à frente – em direção ao precipício.
Luiz Gustavo Bichara é sócio do Bichara Advogados.