Em junho do ano passado, tive que sair escoltado da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, ao som de mais de 100 pessoas gritando: “Recua fascista, recua. A Unicamp nunca vai ser sua!”

Eu havia sido convidado ao campus para falar sobre o tema “Cobrança de Mensalidades nas universidades públicas.”

Minhas credenciais para o convite eram claras: fiz Economia na FGV, mestrado na Barcelona School of Economics e hoje faço meu doutorado no Insper. Por conta disso, e de minha crença na educação como a maior esperança de mudança neste País, dediquei os últimos 15 anos a discutir e avaliar políticas públicas, sempre baseando-me em dados e evidências, não em ideologias.

Eu tinha uma grande expectativa em relação àquele evento. Na viagem de São Paulo até Campinas, fui lendo as minhas anotações, preparando-me para citar dados e evidências nos 30 minutos que eu teria de palestra.

Eu ia dizer que, nos Estados Unidos, as universidades públicas têm 37% de sua receita vinda do Estado, enquanto os outros 63% vêm de fontes próprias como mensalidades, patrocínios e endowments. Na Itália, 65% da receita da universidade pública vem do Estado. Na Espanha, 80%. França, 85%.

Ou seja, nos países desenvolvidos, as universidades públicas possuem parte relevante da receita vinda de fontes próprias. Na USP e Unicamp, é o contrário: o Estado paga 93% da conta, e apenas 7% vêm de recursos próprios. Os dados estão num estudo da Mckinsey.

Eu também ia dizer que, nestes mesmos países desenvolvidos, os alunos que não estão entre os mais pobres também pagam alguma taxa para estudar nessas universidades públicas.

E depois ia fazer um contraponto dizendo que, talvez, os Estados Unidos não sejam a melhor opção de cobrança de mensalidade na universidade pública. Talvez a Austrália seja um modelo melhor.

Eu estava lá para explicar a diferença entre os dois modelos. Nos Estados Unidos, o aluno da universidade pública paga uma mensalidade durante a faculdade, e o que não consegue pega um financiamento, o famoso student loan. O problema é que muitos alunos acabam por trabalhar em tempo integral durante os estudos, e, com grandes dívidas estudantis, acabam inadimplentes quando há desemprego, doença, ou algum choque ao longo da vida. Lá a dívida estudantil já bateu US$ 1,75 trilhão, 6,74% do PIB.

Já o modelo australiano, que como quase tudo que vem depois, corrige os erros do passado e me parece melhor. Lá, o aluno cursa a graduação sem desembolsar nada. O que não significa que seja gratuito – educação custa, e muito!

O aluno australiano paga pelo ensino superior depois de formado através do HELP (Higher Education Loan Program), com uma diferença: começa a quitar os valores ao longo dos anos após obter um emprego, com mensalidades proporcionais à sua renda – um income-based student loan.

Isso reduz o fardo financeiro imediato sobre os estudantes e os protege caso fiquem desempregados ou não consigam trabalhar por um problema de saúde, digamos.

Era isso que eu fui até a Unicamp para dizer – mas não pude.

Antes sequer do evento começar, “alunos” com bandeiras do PC do B e do PSTU – entre aspas mesmo, para os diferenciar daqueles que de fato vão lá para estudar – e de outros movimentos de esquerda invadiram o palco em que estávamos e começaram a nos chamar de fascistas.

Os alunos da União Juventude e Liberdade, que me convidaram para o evento, recomendaram que saíssemos dali e fizéssemos o evento em outro lugar. Resisti, dizendo: “Nós não vamos sair. Se está marcado aqui, a gente vai fazer aqui, porque se a gente sair do nosso lugar, significa que a gente já perdeu. O nosso lugar é aqui, e os invasores são eles. Não vamos sair”.

Não houve palestra. Não houve debate.  Não houve troca. A interdição do debate ganhou a capa dos jornais – mas a reitoria se calou.

Poucos meses depois, fui eleito deputado estadual pelo Partido Novo com 90 mil votos. Fui nomeado para o Conselho Consultivo da USP e vice-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa.

Um das prerrogativas da comissão é convocar os reitores das universidades estaduais. Na semana passada recebemos o reitor da Unicamp, Tom Zé. Como membro da comissão, quis abordar com ele não o tema das mensalidades nas universidades, apesar de ele ter se declarado contra.

Quis falar com ele sobre algo mais urgente: o cerceamento à liberdade de pensamento nas universidades públicas do Estado.

Se o meu caso não for suficiente para demonstrar isso, vou lembrar de mais um que aconteceu: no dia 3 de abril, uma feira de universidades israelenses também foi cancelada nesta mesma universidade. O enredo é sempre o mesmo: alguns grupos da esquerda acreditam que possuem o monopólio da virtude e se acham no direito de definir o que pode e não pode ser dito dentro da Universidade.

Embora eu esteja na política, minha preocupação vai muito além disso. A sociedade só evolui quando temos a oportunidade de debater. E não é essa a realidade das nossas universidades públicas, sequestradas pela ideologia de alguns.

Não é de um ambiente assim que vai sair as respostas da sociedade que precisamos.

Eu sou do Partido Novo, um partido dito de direita, mas defendo com a mesma veemência que as pessoas ditas de esquerda também tenham a oportunidade de se manifestar.

Porque, se deixarmos que falem apenas as pessoas com quem concordamos, que tipo de liberdade de expressão é essa?

A liberdade de expressão só existe quando a sociedade permite o contraditório.

A ciência, por exemplo, algo que é feito diariamente na Unicamp, não teme o contraditório; ela o encara como uma oportunidade para questionar, aprender e evoluir.

Por que será que esses “ativistas” da Unicamp têm tanto medo do debate?

Leonardo Siqueira é economista e deputado estadual em São Paulo.