Eu estava voltando para casa em Nova York, depois de uma viagem a trabalho em Sidney. Na época, eu tinha dois filhos com menos de dois anos, Amelie e Benjamin, e trabalhava como executiva em uma agência de publicidade enquanto tirava minha terceira startup do papel.

Até aqui a história parece bem glamourosa; todos ao meu redor achavam isso.

Na volta da viagem, uma colega comentou, “Não sei como você faz tudo isso com dois bebês.” Lembro que quando entrei em casa aquela noite, meus filhos me receberam com pulos e gritos. “Mainha! Mainha!”. Naquele instante eu só conseguia pensar, “Não sei como faria tudo isso sem eles.”

Eu adorava contar essa história em conferências e eventos porque me ajudava a construir a imagem de uma empreendedora-heroína, uma mulher cabra da peste que segurava o rojão e me realizava não apesar, mas por conta da pressão.

Apesar de a história ser real, a personagem que eu interpretava era uma grande mentira. 

A verdade é que esse momento da minha vida foi uma saga dura e cheia de percalços. Por fora, uma empreendedora estóica. Por dentro, um bagaço de cana. 

Problemas de caixa nos forçaram a vender a startup a uma empresa da Bolsa que eventualmente descontinuou praticamente tudo o que tínhamos construído. A sensação era de estar vendendo o meu bebê por não poder alimentá-lo, junto ao medo de que os novos pais não o dessem de comer. 

Depois de assinar o contrato, desmoronei. 

Ansiedade e ataques de pânico passaram a ser companheiros frequentes. Levei anos de reflexão, terapia e completa reengenharia de vida para chegar a um ponto em que eu pudesse me sentir genuinamente realizada. 

Sei que não sou a única. 

No estudo “Saúde e Performance de Empreendedoras e Empreendedores de Alto Impacto”, a Endeavor Brasil entrevistou 118 fundadores e descobriu que, enquanto lidar com emoções difíceis é uma constante na jornada empreendedora, 75% se sentem pressionados pela expectativa de outras pessoas e 54% ainda consideram falar sobre saúde mental um tabu no ecossistema.

Trata-se de um fenômeno mundial. Um relatório da UCSF e UC Berkeley mostra que 72% dos empreendedores entrevistados reportaram preocupações com a saúde mental, um índice muito maior do que a população geral. 

Alguns anos atrás, Linda Rottenberg, a co-fundadora e CEO da Endeavor, abriu o jogo sobre um momento pessoal e profundo. Seu marido foi diagnosticado com um câncer agressivo nos ossos, enquanto ela criava filhas gêmeas de três anos e ainda expandia a Endeavor para outros países.

O peso emocional era tanto que um dia Linda decidiu compartilhar a situação com o time. A reação foi melhor do que ela esperava: “Agora que a gente sabe que você é uma pessoa real, a gente vai com você para onde quiser.” Compartilhando essa experiência em um evento, Linda resumiu: “Seja menos super, e mais humano.”

Existe uma percepção coletiva de que empreendedores são de alguma forma agraciados com superpoderes capazes de torná-los imunes ao colapso emocional — como se resiliência e autoconfiança não tivessem prazo de validade. 

Quem empreende certamente cresceu ouvindo o mantra de “fake it until you make it”. Sim, precisamos projetar confiança no que estamos construindo para atrair parceiros, talentos, investidores e nossas próprias famílias. Além disso, sim, somos moldados pela nossa própria narrativa — as histórias que contamos a nós mesmos servem como fonte preciosa de resiliência em momentos de tormenta. Bebi dessa água pseudo benta. 

A questão é que, mais comumente do que imaginamos, por trás da cortina de resiliência crescem sentimentos de insegurança e ansiedade, adicionando uma camada espessa de stress à jornada.  

Ao operar no modo “fingir até conseguir,” mantemo-nos reféns de uma versão inatingível de nós mesmos. E sorrateiramente nosso suposto superpoder vai se transformando em kryptonita.

Vestir a armadura e fingir que a atual crise é só mais uma terça-feira pode ter prejuízos reais. O mesmo relatório da Endeavor Brasil revelou que 70% dos fundadores se sentem solitários durante a jornada e 62% sentem que estão sacrificando a vida presente para o sucesso futuro. 

Então, por que tão poucos de nós estamos dispostos a abrir o jogo sobre nossos desafios emocionais? 

Ano passado, em um evento exclusivo para empreendedores Endeavor, convidamos alguns dos fundadores mais experientes a compartilhar suas histórias, e um empreendedor serial capturou com exatidão o paradoxo vivido por quem empreende.

Com toda certeza nos faria bem falar mais sobre o assunto e compartilhar nossas experiências com quem também passa por isso, mas investidores veem vulnerabilidade como sinal de fraqueza, disse o empreendedor. Admitir isso, disse ele, é como sangrar em um tanque de tubarões. 

Essa conversa nos fez refletir. Apesar de não podermos mudar o pensamento de todo o ecossistema do dia para a noite, podemos ajudar a reescrever a narrativa de saúde mental para quem empreende.

Já que praticamente todo empreendedor vai enfrentar desafios emocionais em algum ponto da jornada, apoiá-los é essencialmente gestão de portfólio. Mesmo que alguns investidores se preocupem apenas com os resultados gerados, ignorar o problema pode ter consequências desastrosas para qualquer negócio.

O relatório do Brasil nos mostrou que empreendedores mais experientes estão mais dispostos do que os mais jovens a conversar sobre seus desafios com seus sócios, seu time e investidores.  Talvez não seja uma coincidência que eles são também aqueles com menor nível de stress. Enquanto apenas 48% dos entrevistados com mais de 10 anos de experiência reportaram se sentir estressados na jornada, esse número sobe para 69% entre aqueles que estão empreendendo há menos de cinco anos.

Essa é a principal razão pela qual, na Endeavor, facilitamos círculos de troca na nossa comunidade. Esse é um espaço seguro e fechado em que empreendedores podem falar sem rodeios ou receios sobre a realidade de escalar uma scale up, desde a pressão de um valuation mais alto até a depressão que vem após a venda conhecida como “post-exit blues”. Dito isso, sabemos que há muito mais a ser feito.

Começamos recentemente a criar um projeto de conteúdo com empreendedoras e empreendedores reconhecidos e admirados da nossa comunidade para humanizar a jornada empreendedora. Compartilhando publicamente como eles lidaram com suas próprias emoções e encontraram o próprio caminho de equilíbrio, nós abrimos uma roda de conversa. Nosso objetivo é criar espaço para um debate tão honesto sobre saúde mental que normalize o simples ato de tirar a armadura para quem já está na água há bastante tempo e para quem acabou de entrar. Afinal, a vulnerabilidade alimenta nossa capacidade de conexão, e a conexão alimenta nossa coragem.

Juntos, podemos reescrever a narrativa em torno da saúde mental de quem empreende. Está na hora de remover a armadura!

Silvia Cavalcanti é CMO global da Endeavor.

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