Já respondo de pronto: “direitos não nascem em árvores”, como afirma o professor Flávio Galdino em sua obra Introdução à teoria dos custos dos direitos. Em 1999, Sunstein e Holmes, em obra clássica – The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes –, foram taxativos ao argumentarem que direitos têm custos, e esses custos são financiados pelos impostos pagos por toda a sociedade.

Dito de outra forma: levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez. É com esse preâmbulo que quero discutir a proposta sobre a redução da jornada de trabalho sem diminuição do salário. Seria bom, não é? Vamos aos fatos.

O projeto de lei nº 1.105/23 permite negociações para redução da jornada diária ou semanal, sem cortes salariais, desde que feita mediante acordo ou convenção coletiva. Se aprovado, possibilitará a redução da jornada máxima de 44 horas semanais – definida pela Constituição Federal – para até 30 horas semanais, mediante acordo entre sindicatos e empregadores, desde que não haja corte salarial. Atualmente, a CLT permite a redução de jornada apenas em casos excepcionais e por acordo individual ou coletivo.

Portanto, o que chama a atenção não é a criação de um novo direito proposto pelo projeto de lei, visto que as empresas já têm a possibilidade de negociar uma redução de jornada com seus empregados. O que preocupa é trazer esse direito para a discussão como se fosse um dos meios para solucionar os problemas da baixa produtividade brasileira. Não parece ser!

Na justificativa do referido projeto, sustenta-se que a permissão para a redução de jornada se insere em uma tendência mundial buscando um melhor equilíbrio entre vida e trabalho, refletindo-se, inclusive, na melhoria da produtividade do trabalhador. Tal justificativa assenta-se em esparsa evidência empírica para países que já apresentam uma maior produtividade.

Um dos estudos realizados na Inglaterra utilizou um grupo de cerca de 70 empresas para concluir que a maioria delas afirmou que a mudança está funcionando bem para seus negócios, e que a produtividade permaneceu a mesma ou melhorou com a semana mais curta.

Além de Inglaterra, países como Espanha, França e Japão já debatem o tema, com propostas de redução de horas trabalhadas. Vale ressaltar que, segundo o Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, países como Holanda, Dinamarca e Alemanha já trabalham, em média, menos de 35 horas semanais.

Porém, esses países exibem uma produtividade do trabalho significativamente maior do que a brasileira, o que lhes possibilita manter, em média, uma carga de trabalho reduzida para os trabalhadores ou considerar leis que promovam a diminuição da jornada de trabalho. O caso brasileiro é bem diferente.

No ranking de produtividade, que leva em conta o PIB por pessoa ocupada, o Brasil está na 57ª posição de um total de 63 nações avaliadas pelo Institute for Management Development (IMD). O País fica abaixo de Colômbia, México, Argentina, África do Sul e Cazaquistão.  O Brasil precisa de quatro trabalhadores para produzir o mesmo que um trabalhador americano faz.

A produtividade do trabalho no Brasil atualmente não atinge nem metade da registrada na Coreia do Sul e no Japão. Para chegar à produtividade da França, Alemanha ou Inglaterra, precisaríamos de três trabalhadores para produzir o que um trabalhador desses países faz.

Sem garantias de aumento de produtividade com a referida proposta, as empresas tendem a enfrentar custos operacionais mais altos, pois terão que manter o mesmo nível salarial com menos horas de trabalho. Esses custos podem ser repassados para os consumidores por meio de preços mais altos, levar algumas empresas à falência ou mesmo diminuir a capacidade de investimento de alguns setores.

Em escala macroeconômica, a baixa produtividade brasileira impõe custos para toda sociedade, na forma de um crescimento econômico espasmódico. O que uma extensa e robusta literatura econômica demonstra é que o aumento da produtividade brasileira virá com maior inovação, qualificação dos trabalhadores e máquinas e equipamentos de ponta. Portanto, é cada vez mais necessário eliminar legislações que aumentam os custos das empresas. Uma proposta como essa parece desarrazoada.

Grande parte dos direitos são, à primeira vista, meritórios. Já temos diversas meias-entradas, termo tão bem cunhado pelo economista Marcos Lisboa, que oneram sobremaneira o setor produtivo brasileiro. É preciso adicionar direitos que estejam baseados em evidências empíricas sólidas para o contexto brasileiro, e não novas meias-entradas.

Levar os direitos a sério envolve incluir de maneira pragmática no rol das difíceis escolhas da sociedade os custos dos direitos, pois como disse recentemente o Ministro Luís Roberto Barroso no discurso de enceramento do ano judiciário: “Para ver se uma decisão é justa, precisamos saber quem paga a conta.”

Guilherme Resende é assessor especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal. Foi economista-chefe do CADE.