O mercado de capitais no Brasil evoluiu significativamente nas últimas décadas, mas a burocracia e as regulamentações ultrapassadas continuam impedindo seu pleno desenvolvimento.

A história começa nos anos 90, uma era que só pode ser descrita como uma verdadeira “selva” financeira no nosso País. 

Naquela época, o Brasil emergia do caos da hiperinflação; o Plano Real trouxe estabilidade e tornou o País um destino para investidores globais.

No entanto, as leis do mercado de capitais eram frágeis e os acionistas minoritários ficavam desprotegidos, facilitando o abuso por parte dos acionistas controladores.

Nesse período, não era raro ver empresas estrangeiras adquirindo companhias brasileiras a preços muito acima do valor de mercado, sem beneficiar os acionistas minoritários.

Esse sistema desigual perdurou até o início dos anos 2000, quando as reformas na Lei das SA e a criação do Novo Mercado pela B3 introduziram as proteções tão necessárias aos minoritários.

A implementação da regra do tag along — que obriga o comprador de controle a oferecer aos acionistas minoritários pelo menos 80% do valor pago ao controlador — foi um divisor de águas. Essas reformas destravaram o mercado de capitais, geraram uma onda de IPOs e maior confiança nos investidores.

No entanto, apesar desse progresso, nosso mercado de capitais continua aquém de seu potencial. Um País que figura entre as 10 maiores economias do mundo não deveria ter apenas cerca de 400 empresas listadas na Bolsa — um número surpreendentemente baixo em relação ao tamanho da economia.

As barreiras para entrar no mercado de ações são altas, com IPOs frequentemente exigindo um valor mínimo de R$ 1 bilhão para garantir liquidez, o que exclui inúmeras pequenas e médias empresas.

O que está impedindo o Brasil de avançar?

O problema não é a falta de apetite ao risco por parte dos investidores. Os brasileiros estão dispostos a correr riscos, como evidenciado pela popularidade de apostas, criptomoedas e investimentos de alto risco.

Tampouco é a falta de empresas buscando capital. Milhares de empresários adorariam trocar uma parcela do capital de suas empresas por financiamento de longo prazo, libertando-se das altas taxas de empréstimos do sistema financeiro.

Os verdadeiros culpados são a regulamentação e a burocracia.

Regras excessivamente complexas exigem a participação de intermediários — bancos e instituições financeiras — em cada etapa do processo. Essas instituições, focadas em grandes transações, não têm interesse em negócios menores. Como resultado, as pequenas empresas são excluídas do mercado.

Plataformas de crowdfunding, que eliminam intermediários, têm sido uma rara exceção de sucesso, permitindo que pequenos negócios levantem capital sem precisar enfrentar o labirinto burocrático. 

Diante desse cenário, a CVM lançou a proposta do regime FÁCIL (Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivo a Listagens), um conjunto de regras que visa desburocratizar o mercado de capitais para Companhias de Menor Porte (CMPs), aquelas com faturamento bruto de até R$ 500 milhões.

Entre as principais mudanças, o FÁCIL propõe o registro automático de emissores, a simplificação dos documentos obrigatórios (como a unificação do Formulário de Referência), e a flexibilização de assembleias e divulgação de informações contábeis. 

Além disso, permite que essas empresas realizem ofertas públicas de até R$ 300 milhões sem precisar de um coordenador-líder. Se implementado corretamente, o FÁCIL pode evitar que o Brasil enfrente mais uma década perdida no mercado de capitais.

Outro tema urgente é a revisão do conceito de qualificação do investidor. Não faz sentido privar investidores de acessar fundos de investimento. Várias modalidades de investimento são acessíveis apenas aos chamados “investidores profissionais” – indivíduos com pelo menos R$10 milhões em investimentos financeiros – ou “investidores qualificados,” aqueles com pelo menos R$ 1 milhão.

Esse critério impede que executivos de empresas que não sejam multimilionários invistam em seus próprios negócios através dos Fundos de Participações (FIPs), por exemplo. Enquanto isso, um sortudo que acabou de ganhar na loteria, sem qualquer conhecimento do mercado, pode investir livremente.

É hora dos reguladores brasileiros repensarem o sistema. Simplificar o processo de investimento e cortar a burocracia poderia liberar um enorme potencial no mercado de capitais. Os investidores estão prontos, as empresas, ansiosas, mas o sistema continua sendo um obstáculo.

Os reguladores deveriam facilitar a participação dos investidores no mercado e focar na punição severa para aqueles que não cumprem as regras. Focar em proteções desnecessárias e regras complexas criadas para prevenir o comportamento de um grupo reduzido de (maus) participantes é custoso e ineficiente.

Da mesma forma que se compra uma garrafa de água aproximando-se o telefone celular ou fazendo um PIX, os investidores deveriam poder comprar ações, fundos de investimento e financiar novos empreendimentos sem ter que passar por uma verdadeira gincana.

Até que isso aconteça, o mercado de capitais brasileiro continuará sendo uma oportunidade perdida — repleto de potencial não explorado, sufocado pela burocracia e pela regulamentação ultrapassada. A discussão está atrasada, e o caminho a seguir é claro: simplificar, desregulamentar e deixar o mercado prosperar.

Pedro Chermont é sócio-fundador e CIO da Leblon Equities.