Em um ótimo artigo aqui no Brazil Journal, Marcos Mendes resumiu a trajetória fiscal do País nas últimas décadas: um modelo onde primeiro se expande o gasto público para depois financiá-lo com aumento de impostos.

Marcos está correto sobre o diagnóstico de insustentabilidade desse modelo.

Com as receitas das três esferas de governo somando 39% do PIB, o Brasil já está dez pontos percentuais acima da média da América Latina e cinco pontos acima da média dos países do G7, segundo o FMI.

A dura tarefa é sair do diagnóstico para uma reforma do sistema de gastos públicos. 

Desde a Constituição de 88, criou-se a percepção de que os grandes problemas sociais no Brasil se devem à falta de mais recursos públicos. Mas a despesa primária da União em relação ao PIB quase dobrou de 1990 para cá (está próxima de 19% do PIB em 2024). E ainda assim, a demanda na sociedade e na classe política por mais gastos continua. 

Gastar mais, não necessariamente melhor, tem sido a tendência no orçamento público.

A qualidade do gasto e a avaliação da eficiência de programas e políticas públicas nunca foram preocupações centrais do Executivo e do Congresso. A demanda da sociedade molda também o comportamento da classe política, que vê no anúncio dos seus esforços por maiores gastos a comprovação de que está agindo em benefício de seu eleitor 

O gasto tributário (as renúncias fiscais) em relação ao PIB mais que dobrou entre 2005 e 2015, de 2% para quase 5%, permanecendo nesse patamar até hoje. Foi também assim com a série de novas votações no Congresso, ainda em 2022, que ampliaram os gastos correntes e substituíram a Lei do Teto de Gastos pelo Arcabouço Fiscal em vigência.

Mas como mudar essa dinâmica? Como fazer com que a atuação do Executivo e Legislativo vá noutra direção e seja reconhecida e premiada politicamente por isso?

Talvez a reforma política ajude, com uma menor fragmentação partidária. Mas demora. Outro impulso reformista pode vir de uma crise fiscal ainda maior do que tivemos em 1998/1999 ou 2015/2016. A Argentina voltando a crescer mais e sustentadamente depois de um duro ajuste e medidas de desregulamentação poderia ser um exemplo? Talvez.  Mas o melhor e mais prudente seria não esperar por essas janelas ou gatilhos.

Uma agenda para a mudança até 2027

O aprendizado sobre o que já observamos em outros países, e principalmente no Brasil, mostra que as reformas mais difíceis precisam ser tentadas no primeiro ano de novos governos. E como o tempo é curto, preparar essa agenda antes de 2027 ajuda a construir o caminho futuro de aprovações.

Qual caminho?

1.Maior exposição e debate público sobre os principais programas do governo e a qualidade do gasto público.

O que funciona e o que não funciona para entregar melhores serviços para a população?

Em estudo recente, o Banco Interamericano de Desenvolvimento calculou que o nível de ineficiência de programas governamentais chega a algo próximo de 4% do PIB no Brasil. No modelo atual, com mais gastos, esse número tende a subir.

No mesmo documento, o BID aponta que o conjunto de programas sociais no Brasil gasta sete vezes mais com a população idosa do que com a infância. É a maior desigualdade entre essas faixas de idade em toda a América Latina. 

2.Mais envolvimento empresarial na formulação e no convencimento de projetos e reformas – com menos agendas setoriais e individuais. 

O setor privado brasileiro tem sido muito eficiente em usar seu poder de pressão através de entidades de classe para agendas de preservação de interesses setoriais. O conjunto de exceções da reforma tributária mostrou isso (com o custo de gerar uma alíquota final mais alta no IVA). Por que não direcionar uma parte dessa força para reformas na melhoria da qualidade do gasto público?

3.Aproveitar a força do novo governo eleito em 26. 

Os passos 1 e 2 deveriam servir para ganhar tempo na formação de consensos e de uma agenda pragmática de reformas no primeiro ano do próximo governo eleito, seja quem for o vencedor em 26.

4.Começar a proposta de reforma do gasto público por temas mais facilmente entendidos e aceitos pela sociedade. 

Alternativas: começar pela regulamentação da regra do teto remuneratório no setor público (o fim dos supersalários com penduricalhos) e por subsídios fiscais claramente ineficientes. A ideia aqui é ganhar apoio com temas de maior aceitação popular, mostrando que o esforço precisa ocorrer tanto no setor público como no setor privado, e com foco na redução das desigualdades geradas por distorções no gasto e tributação. 

5.Usar os casos bem-sucedidos de ‘spending review’ (revisão de gastos) pelo mundo, mostrando como foi possível melhorar a qualidade da prestação de serviços para a população com a avaliação constante das políticas públicas.

É possível fazer?

Há exemplos no Brasil de que a boa gestão política pode avançar em reformas tidas como “impossíveis”.     

O Rio Grande do Sul foi historicamente refratário às privatizações – a própria Constituição continha uma vedação legal – e a mudanças na legislação do funcionalismo público. 

Mas, graças a uma construção política, o Estado conseguiu aprovar mudanças constitucionais desde o início do primeiro Governo Eduardo Leite (2019) e privatizou companhias de energia, saneamento e gás, além de realizar concessões de parques e estradas.

O Rio Grande do Sul também foi o único estado no País a aprovar uma reforma administrativa e previdenciária que, além de valer para os atuais servidores – e não só os futuros – promoveu a igualdade de descontos no teto máximo para servidores civis e militares. Hoje os servidores militares gaúchos têm a mesma alíquota progressiva dos servidores civis, que chega até 22%, incluindo ativos e inativos. 

Na União, como em todos os outros estados, a alíquota máxima dos militares é de 10,5%. Vale lembrar que apenas o déficit da previdência dos servidores militares da União é de aproximadamente R$ 50 bilhões por ano. 

Tudo isso foi feito num governo em que o partido do governador tinha apenas cinco dos 55 deputados da Assembleia. 

Houve oposição, mas em nenhum momento houve paralisação de serviços públicos ou protestos que inviabilizassem as votações. 

Trata-se de um caso em que a política foi utilizada para construir apoios para reformas essenciais – e o Brasil tem outros governadores jovens com capacidade de articulação política e disposição reformista, como Ratinho Júnior, Tarcísio Freitas e Rafael Fonteles.

Para um futuro melhor, precisaremos de políticos que saibam usar o voto não apenas para se manter no poder – mas para construir consensos e liderar esta agenda de reformas.

Aod Cunha é doutor em economia, ex-Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul e conselheiro de administração de empresas.