O rigoroso respeito aos contratos, uma cláusula pétrea da Constituição, é um valor historicamente defendido pelos governos brasileiros de esquerda e de direita.
A inexistência de precedentes contrários diferencia o Brasil positivamente de diversos outros países latino-americanos.
Hoje, contudo, corremos o risco de adentrarmos o grupo dos países que desrespeitam contratos por políticas de governo ou razões ideológicas, ignorando preceitos constitucionais básicos.
Dando seguimento a um pedido feito pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), o Ministro Alexandre Silveira enviou ofício à Petrobras no final de fevereiro solicitando a “possibilidade de suspensão” por 90 dias dos processos de desinvestimento desde que ela “não colocasse em risco os interesses intransponíveis da companhia” – aparentemente uma tentativa de eximir o MME de responsabilidade por eventuais prejuízos causados pela suspensão.
Em resposta, a Petrobras publicou um Fato Relevante informando que analisaria os processos em curso – inclusive compromissos já assumidos – sob a ótica do direito civil e dentro das regras de governança.
Numa coletiva de imprensa no dia seguinte, o Presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, confirmou a suspensão de todos os processos de desinvestimento, inclusive aqueles assinados.
O inédito (e chocante) neste caso é que não há precedente de pedido de suspensão de negociações direcionados à Petrobras pelo Governo Federal, muito menos de transações já celebradas.
Igualmente, não há previsão legal que permita ao Ministério interferir desta maneira em empresa listada em Bolsa, afetando o mercado direta e indiretamente e causando potenciais prejuízos ao interesse público e privado.
A Petrobras, por sua vez, na seção sobre governança em seu site de relações com investidores, fala em “estrita observância” às normas e leis nacionais e internacionais.
Claramente não é o que está acontecendo, visto que, em resposta ao ofício que pediu que se verificasse a possibilidade de suspensão, a Petrobras optou por interromper inclusive transações assinadas e divulgadas ao mercado.
As vendas de ativos que a Petrobras fez nos últimos anos já foram contestadas em diversas instâncias do Judiciário, e o procedimento da empresa foi visto, revisto e aprovado pelo Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União.
Várias das empresas compradoras destes ativos são listadas no Brasil e no exterior, e as repercussões legais da suspensão incluem a quebra de previsões contratuais e de leis tanto no Brasil quanto no exterior.
Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), as “junior oils”, grupo do qual essas empresas fazem parte, geram 315 mil empregos no Brasil e pagaram cerca de R$ 1 bilhão em royalties no ano passado.
Essas empresas hoje produzem 150 mil barris de óleo equivalente por dia, e planejam chegar a 500 mil até 2029, com investimentos previstos de R$ 40 bilhões no período.
Investidores nacionais e internacionais dos mais diversos setores da economia estão atentos à condução das relações entre público e privado.
Vamos nos reafirmar como um País que zela pela segurança jurídica para investimentos, ou queremos entrar para o grupo dos que desconsideram aquilo que assinam? Que tipo de país é o Brasil?
Giovani Loss é sócio do Mattos Filho, que representa empresas que compraram ativos como parte do programa de desinvestimento da Petrobras. É Mestre em Direito pela USP, Master of Laws (LLM) pela Universidade de Stanford e Doutorando em Energia pela USP.