A cotação do dólar e os preços aceleraram o ritmo de alta na Argentina. As últimas semanas trouxeram sinais de um agravamento preocupante da crise.

O conflito entre o presidente Alberto Fernández e a vice-presidente Cristina Kirchner não é novo. A história começa em abril de 2021, quando o ex-ministro da Economia Martín Guzmán foi impedido de dispensar funcionários de segundo e terceiro escalão que respondem à vice-presidente.

Em seguida, o então ministro reduziu o ritmo de crescimento dos gastos públicos antes das eleições primárias que o governo havia deliberadamente adiado esperando alguma recuperação econômica e do humor da população.

A derrota eleitoral levou a uma onda de críticas partindo de apoiadores de Cristina. Vários servidores apresentaram suas renúncias.

Desde então, a vice-presidente e seus apoiadores aumentaram a frequência de suas críticas ao presidente e a Guzmán. Em dezembro passado, a atitude desafiadora do deputado Máximo Kirchner, filho de Cristina, levou à rejeição do projeto de lei orçamentária para 2022. Em março, o acordo com o FMI foi aprovado no Congresso, mas os “ultrakirchneristas” votaram contra. 

Veio na sequência uma nova onda de ataques kirchneristas ao Presidente Fernández, dessa vez em razão da expectativa de um aumento das tarifas públicas e da redução dos subsídios para serviços de energia, gás, combustíveis e transporte.

A incerteza econômica aumentou a partir de abril, quando o Ministério da Economia passou a ter dificuldades para renovar os vencimentos da dívida pública em moeda local. Soma-se a isso a escassez das reservas líquidas do Banco Central, por causa, entre outros fatores, das despesas com importações de energia.

A taxa de câmbio paralela começou a acelerar a sua alta, e em 27 de julho o BC aplicou restrições proibitivas para acessar dólares para pagar as importações. Isso gerou uma maior demanda por dólares em canais não oficiais, devido à expectativa de uma futura falta de bens importados.

Em 2 de julho o ministro Guzmán renunciou ao cargo. Sua substituição por Silvina Batakis não reduziu a incerteza das empresas e dos consumidores. Os aumentos preventivos de preços aceleraram nas últimas duas semanas, depois que a nova ministra anunciou diretrizes pouco precisas a respeito da disciplina fiscal sem precisão.

O resultado até agora tem sido desastroso: compras preventivas de bens à espera de maior inflação e aumentos adicionais na taxa de câmbio, maior demanda por dólares em canais não oficiais.

Na indústria, ocorrem anúncios de suspensão das atividades por falta de insumos importados ou em razão das novas restrições à compra de moeda estrangeira.

Diante da escassez de reservas no BC, começam a surgir alguns cenários que há alguns meses não apareciam nas expectativas: reestruturação da dívida pública, desvalorização abrupta da moeda, desabastecimento e hiperinflação.

A inflação de julho poderá chegar a 7,5% ao mês. O número de pessoas em situação de pobreza e indigência chega a 50% da população total.

Ao mesmo tempo, as restrições às importações e controles cambiais prejudicaram ainda mais a confiança da população em relação às autoridades. Recuperar essa confiança e um pouco de credibilidade parece, aos olhos de hoje, algo distante.

Quando Batakis assumiu, em 4 de julho, o preço do dólar no câmbio oficial era de 126 pesos, e no paralelo era de 260. De lá para cá, a cotação oficial subiu para 137 pesos, ao passo que no paralelo o dólar subiu para mais de 322 pesos – uma valorização superior a 20% no período. O prêmio de risco dos títulos argentinos, que em 4 de julho era de 2.344 pontos, está agora próximo dos 2.900 pontos.

Tudo resulta da mesma coisa: falta de confiança nas autoridades. Não será fácil para o governo recuperar a credibilidade, mas algo deve ser feito – e logo. Isso provavelmente exigirá uma mudança não só na política econômica, mas também nas autoridades. 

Talvez assim a Argentina não caia em uma crise ainda mais aguda e empobrecedora – e quem sabe o governo e seus apoiadores consigam evitar um resultado catastrófico nas eleições presidenciais do próximo ano.

Héctor Rubini é economista e professor da Universidad del Salvador, em Buenos Aires.