O trato era o seguinte: o Brasil elegia um candidato “contra tudo isso que está aí” e matava dois coelhos com uma cédula só. Tirava o PT do poder e instalava alguém que abraçaria a agenda da economia — a mais urgente, a mais necessária, sem a qual nenhuma outra agenda faria sentido, já que o País caminharia para a insolvência e o caos econômico.
Três meses depois, nosso experimento com a “nova política” dá sinais de entropia: o novo governo é uma colcha de grupelhos remando em direções próprias, a família presidencial afoga a mensagem do Governo com tiradas descoordenadas no Twitter, e, com um Congresso ainda não testado, os mercados se sustentam apenas na promessa de um país liberal.
Já estamos no fim de março, e a reforma da Previdência que economizaria o R$ 1 trilhão prometido pelo Ministro da Economia parece um projeto cada vez mais inexequível. Deputados ouvidos no fim de semana disseram ao Brazil Journal que o cenário mais provável hoje é de “zero reforma” em vez de sequer uma reforma branda.
Até aqui, o mercado apostava em duas coisas: Bolsonaro usaria sua popularidade e capital político para convencer o Congresso da necessidade de aprovação da reforma. “E se o Congresso fizer corpo mole, ele vai para as redes sociais e apela direto à opinião pública,” chegavam a dizer alguns.
Infelizmente, outros fenômenos estão acontecendo: a popularidade do Zero Um está se esvaindo rápido, e ele está focado em 20 temas secundários em vez de um. Para piorar, o Presidente parece não compreender o escopo de suas responsabilidades.
Falando em Santiago sobre a cobrança por mais empenho que lhe fora feita por Rodrigo Maia, Bolsonaro disse que “a bola está com ele, não está comigo. Eu já fiz a minha parte, entreguei [o projeto] e o compromisso dele, regimental, é despachar e o projeto andar dentro da Câmara.”
“A bola agora está com o Parlamento. O que é a articulação? Que que tá faltando eu fazer?”
Seja a política nova ou velha, quem dá o tom, dita a agenda e mostra o rumo é — ou deveria ser — o Presidente eleito com 55% dos votos e inicialmente aprovado por 70% dos brasileiros. O Congresso costuma seguir — mas, para aprovar as reformas, não adianta rezar e pedir patriotismo.
A democracia representativa tem ritos próprios: o deputado sonha com uma obra na sua cidade ou quer ser recebido pelo ministro, ou, ainda, que o Presidente inaugure uma obra em seu distrito. Ele quer sentir que sua opinião foi ouvida — ainda que apenas protocolarmente.
É verdade que já se previa, em algum momento, algum embate de Bolsonaro com o Parlamento. Isso é natural em governos que estão começando, ou que pretendem reinventar a Política… Mas jamais se imaginava que os embates viriam por motivos fúteis, criados pelo próprio presidente, seus filhos e aliados. Até o Carnaval, o ambiente no Congresso nunca fora tão favorável às reformas. De lá para cá, a coisa só fez degringolar. Nos últimos dias, o Presidente parece mais interessado em brigar com a classe política para estancar sua perda de popularidade do que em criar uma agenda positiva para o País.
O crucial aqui é saber por quanto tempo a fé do mercado vai durar. O ‘rali Bolsonaro’ foi construído sobre apenas um pilar: a confiança de que a agenda de Paulo Guedes teria precedência sobre todas as outras. Na sexta-feira, o próprio PG acusava o golpe: “Você acha que o filho do Presidente deve ficar atacando o Presidente da Câmara dos Deputados? Você acha que isso ajuda?” disse a repórteres no Rio, segundo o Estadão.
Matematicamente, o Governo está em solo frágil. A Câmara tem 513 deputados, 143 dos quais são oposição declarada. Dos 370 que restam, o Governo precisa de 308 votos para aprovar uma emenda constitucional. Ou seja, se as barbeiragens produzirem mais de 62 defecções, a derrota está garantida.
O PSL — que deveria ser a rocha do Governo — está mais preocupado em “lacrar” do que em governar. No fim de semana, duas parlamentares do partido — incluindo a deputada Joice Hasselmann — usaram o Twitter para atacar o PPS/Cidadania, um partido independente onde há diversos deputados a favor da reforma. Solidário com o PPS, o ex-deputado Betinho Gomes ponderou: “Para onde isso vai nos levar? Vão construir o que com essa postura agressiva e infantil?”
Resumindo: ou os adultos se reúnem e sentam à mesa para botar ordem na casa, ou estamos todos perdidos.
Bolsonaro consegue imaginar o que é a nova Política. É um lugar paradisíaco onde todos são éticos, as famílias são impecáveis, e coloca-se Deus acima de tudo.
O que ele não consegue imaginar é o Brasil sem as reformas: um País subitamente com inflação alta, estagnação irreversível e pessimismo contagiante. Uma economia com um dólar forte e um real humilhado, investimentos cancelados e desemprego repicando. Tudo isso enquanto o cenário internacional piora, reduzindo a liquidez mundial e nossa margem de manobra.
Os mercados — até agora fãs de carteirinha do Governo — podem se tornar seu maior algoz. E se isto acontecer, restará a carcaça de um governo recém nascido, e um País mais uma vez desiludido.
Será uma ‘venezuelização pela direita’, e um campo fértil para a volta da esquerda.
É esse o plano, Zero Um?
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