O presidente Lula criticou esta semana a ideia de um Banco Central independente. “É uma bobagem achar que um presidente do BC independente vai fazer mais do que quando o presidente era quem indicava,” disse.
O que Lula desaprova na atuação do BC é a condução da sua política monetária para conter a inflação. Em sua visão, a taxa de juros elevada, o principal instrumento dessa política, acaba tendo alto custo social ao inibir a expansão mais robusta da economia. O País, enfatiza o Presidente, precisa crescer e distribuir renda.
Embora a premissa esteja correta, e alinhada com os valores do novo governo, um BC independente não é uma pedra no caminho do desenvolvimento socialmente justo – e, claro, está longe de ser bobagem.
Lula tem levado o debate para o lado pessoal. Demonstra irritação com os que lhe cobram compromisso com a responsabilidade fiscal sob o argumento de que, em seus dois primeiros mandatos, esbanjou austeridade, reduzindo o endividamento público interno e produzindo excedente de reservas cambiais.
Trata-se de um feito que não deve ser menosprezado, como se tivesse sido apenas resultado da sorte de ter governado num período de conjuntura internacional especialmente favorável. Mas o ponto é que a responsabilidade fiscal, da mesma maneira que a monetária, não pode depender apenas de um compromisso pessoal. É preciso que esteja sacramentada em nível institucional.
Ora, o BC autônomo que temos no Brasil é justamente uma das instâncias institucionais que garantem a estabilidade da economia para além dos desejos pessoais do governante e ao largo dos interesses eleitoreiros.
Trata-se de uma autarquia de Estado cuja razão de ser é proteger a moeda nacional, e, como se sabe, não há maior ameaça a uma moeda do que a inflação que lhe corrói o valor de compra.
Como a alteração da legislação é de 2021, Lula é primeiro presidente a não nomear o presidente do BC. Roberto Campos Neto foi indicado pelo governo anterior e tem mandato até o ano que vem.
Por outro lado, a independência do BC é limitada, uma vez que implementa medidas após discussões com outras esferas do poder, como o Conselho Monetário Nacional, do qual fazem parte os ministros da Fazenda e do Planejamento. Ou seja, embora o BC não se subordine ao governo federal, também não atua de maneira totalmente independente.
Uma das funções do BC é definir a taxa básica de juros, a Selic. Argumenta-se que, estando essa taxa em patamar baixo, a economia seria estimulada. Teoricamente sim, mas de nada adianta ter uma Selic baixa se não houver credibilidade no combate à inflação.
Nesse caso, os juros de longo prazo podem subir muito, o que teria dois efeitos perversos. Em primeiro lugar, o governo seria forçado a se financiar a prazos mais curtos, piorando o perfil da dívida pública. Em segundo, os financiamentos privados de longo prazo desapareceriam, impactando os investimentos, que são o motor do crescimento do País.
Os críticos do BC independente parecem partir do pressuposto de que a inflação é neutra ao atingir toda a sociedade. Não é. Atinge a todos, sim, mas não com a mesma intensidade. Os menos favorecidos sofrem mais com a alta dos preços, pois sua renda é destinada quase exclusivamente ao consumo. Na realidade, a inflação é um conhecido e perverso instrumento de transferência de renda.
É por isso que o combate à inflação tem uma clara dimensão social, que nem sempre é percebida pelas autoridades. Se o BC tiver autonomia suficiente para cumprir sua função principal, estará contribuindo para o crescimento sustentável do País.
Enfraquecer o BC, subordinando-o ao governo, é enfraquecer o combate à inflação, contra o interesse justamente da parcela mais vulnerável da sociedade.
Camila Camargo e João Camargo são respectivamente a CEO e o presidente do conselho do grupo Esfera Brasil.