Na semana passada presenciei, um tanto desnorteado, um espancamento no estacionamento da Drogasil da Av. Angélica, a uma quadra da delegacia de polícia de Higienópolis. 

Um homem negro, encurralado em um canto, era esmurrado e xingado por um brucutu cinco vezes o seu tamanho. O deleite do brutamontes era indisfarçável. 

Entrei na loja e perguntei atônito a um funcionário se ele sabia o que se passava: “Ah, sim, o rapaz é da polícia, ele trabalha para nós como segurança”. 

De dentro da farmácia, eu continuava escutando os sopapos. Os clientes faziam as compras e, de vez em quando, olhavam a cena com a curiosidade passiva de quem passa por um acidente de trânsito. 

Segui até outro funcionário e pedi a presença da gerente. Só no dia seguinte.     

Saindo de lá liguei para a polícia (que não apareceu) e, mais tarde, voltei a ligar para a loja. Fiquei sabendo que o homem que apanhava tinha roubado uma senhora que passava. 

O episódio que aconteceu na Drogasil é um microcosmo de uma sociedade que cada vez mais tenta resolver suas questões sem passar pelo Estado — e as empresas, com frequência, adotam a mesma tática. 

Se uma empresa privada tem os recursos para resolver todo e qualquer entrevero seguindo suas próprias regras, por que diabos iria respeitar a lei? 

E, se parte do aparato do Estado — neste caso, a polícia — entende ser mais interessante atuar por conta própria, em parceria com agentes privados, quem poderia detê-los? A equação é simples — e eu, o cidadão, não faço parte dela.

No Brasil de 2019, a maioria das pessoas passa por cenas como a que descrevi em estado de letargia. É difícil de digerir. São parte de um ambiente em que o desejo de destruição e a violência passaram a ser não apenas aceitos socialmente, mas até estimulados por políticos. 

Os casos de violência ocorridos em espaços comerciais infelizmente passaram a ser parte do cotidiano. Há poucos dias, um jovem foi asfixiado por um segurança no Extra, e outro foi asfixiado no supermercado Ricoy, ambos por pequenos furtos. As semelhanças continuam: os agredidos são jovens negros e a empresa, ao ser exposta publicamente, informa que a segurança era feita por profissionais terceirizados. 

Durante boa parte da minha carreira como jornalista, escrevi para publicações de economia e negócios de grande circulação. Foi uma experiência que me ajudou a fugir de generalizações maniqueístas sobre as figuras do empresário, do agora intitulado empreendedor e até mesmo do banqueiro, e também me levou a suspeitar de todo tipo de máxima marqueteira. 

Diante do que vivenciei na frente da Drogasil e do que acompanho no noticiário, eu me pergunto: os empresários, empreendedores e banqueiros brasileiros não sentem obrigação moral de se manifestar para além da pauta econômica? 

Não é possível ser a favor das reformas e ao mesmo tempo defender, no discurso e na prática, valores fundamentais?

Robson Viturino é jornalista e escritor.

 

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Procurada pelo Brazil Journal, a Drogasil enviou a seguinte nota: 

“Gostaríamos de ressaltar, em primeiro lugar, que não compactuamos com nenhuma forma de violência, discriminação, preconceito, conduta agressiva ou descaso. 

Nesse sentido, ao ler o post do Sr. Robson Viturino, imediatamente entramos em contato com o autor e apuramos também os fatos internamente para entender o que ocorreu.

A pessoa que abordou o rapaz citado no post do Sr. Viturino não tem vínculo empregatício com a Drogasil. Ele presta serviços como segurança privado de forma coletiva para os comerciantes da vizinhança, o que não nos isenta de qualquer responsabilidade, seja do ponto de vista legal ou moral.

Segundo o que apuramos, o segurança fazia a ronda no estacionamento da Drogasil quando teria interferido para evitar um assalto a uma senhora idosa que estaria próxima à loja, de forma a garantir a segurança e o bem-estar da senhora, que é a principal prioridade em uma situação como essa. 

Assim, conforme levantamos junto aos nossos funcionários presentes no momento, não teria havido por parte do segurança qualquer excesso ou mesmo agressão deliberada ao rapaz abordado.

De qualquer forma, estamos aproveitando esse incidente reportado pelo sr. Viturino para reforçar junto aos nossos colaboradores e parceiros a importância de tratarmos todos com respeito e empatia, sem jamais empregar violência ou truculência.”