As fintechs revolucionaram o sistema financeiro nacional nos últimos anos e passaram a ocupar um espaço central na vida econômica do País. Foram responsáveis por incluir dezenas de milhões de pessoas no sistema, oferecer crédito de forma mais acessível e estimular a inovação.

Tudo correu rápido e, como costuma acontecer, regulação e inovação foram se ajustando com base em uma agenda de competitividade liderada pelo Banco Central.

Na semana passada, vimos a deflagração de uma das maiores operações de combate ao crime organizado no Brasil, com o envolvimento de empresas que também se autodenominavam fintechs. Mas é preciso separar.

Existem instituições clandestinas, que se valem do nome fintech mas se prestam, na verdade, a fins ilícitos e criminosos. E existem as fintechs de verdade, legítimas, estruturadas, seguras e reguladas, que todos os dias atendem milhões de cidadãos e empresas brasileiras. 

A instrução normativa publicada sexta-feira pela Receita Federal, que amplia a obrigatoriedade do envio de informações financeiras pelas fintechs, é muito bem vinda e já era cumprida pelas maiores empresas do setor antes mesmo de ser publicada.

Essa norma, inclusive, era defendida há tempos por entidades representativas, como a Zetta, justamente para aumentar o alcance, a padronização e reduzir margens de dúvida quanto à integridade das operações. 

Cabe lembrar que as fintechs já são reguladas e fiscalizadas por órgãos como Banco Central, CVM e Susep, dependendo da área de atuação. Também já eram, antes da edição desta norma tributária, obrigadas a adotar práticas como identificação e verificação de clientes (KYC), monitoramento de transações suspeitas, comunicação de movimentações atípicas ao Coaf e auditorias periódicas. 

À medida que o crime organizado se reinventa e se aprimora, cumpre também aos reguladores, aos supervisores e às instituições do sistema financeiro fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização. A nova instrução normativa soma-se a esse conjunto, determinando que todas as fintechs enviem suas informações financeiras diretamente à Receita no mesmo formato utilizado pelos bancos tradicionais, por meio da e-Financeira.

O desafio é não cair na armadilha da generalização. Há uma diferença clara entre empresas clandestinas, que usam indevidamente o termo fintech para mascarar atividades ilícitas, e aquelas reguladas, que incluíram a população de baixa renda e modernizaram o acesso a serviços financeiros. Confundir as duas categorias ameaça a confiança pública, gera insegurança e coloca em risco conquistas valiosas da sociedade brasileira, como a bancarização, inovação e competitividade. 

Não podemos nos esquecer também dos benefícios trazidos pelo aumento da concorrência. Com a abertura do setor financeiro para entrantes com modelos de negócio mais modernos, o Brasil ultrapassou a marca de 200 milhões de pessoas com alguma conta ativa, uma alta de 130% em 20 anos, e houve uma queda de 36,8% nas tarifas pagas pelos clientes para ter acesso ao sistema financeiro. 

Para que a regulação seja efetiva, também é urgente fortalecer a capacidade de supervisão do BC. A agenda regulatória cresceu nos últimos anos, mas o quadro de servidores diminuiu sensivelmente. Apesar de sua elevada qualidade técnica e competência, sem recursos humanos e orçamentários adequados, a autoridade monetária pode não acompanhar o ritmo das suas próprias atribuições. 

As fintechs são um ativo estratégico para o Brasil. Reforçar seu papel na prevenção a ilícitos e expurgar os maus atores é necessário, mas sem abrir espaço para narrativas que confundem empresas criminosas com um ecossistema sólido, regulado e fundamental para o desenvolvimento do País.

Eduardo Lopes é presidente da Zetta, uma associação que representa as fintechs no Brasil.