A gestão econômica e fiscal do País é um desafio complexo, mas todos compartilhamos o objetivo primordial de garantir a estabilidade macroeconômica, a previsibilidade dos mercados e, fundamentalmente, a sustentabilidade da dívida pública brasileira, um pilar para o crescimento e bem-estar social.

​É à luz deste objetivo comum que manifestamos nossa mais profunda preocupação com os rumos da Medida Provisória 1303/2025, que será apreciada hoje pelo Congresso.

Embora possamos compreender a busca por maior isonomia, o trecho da medida relativo à tributação de títulos e valores mobiliários representa um risco grave e iminente à própria funcionalidade do mercado de dívida pública. Esta versão prevê a unificação em 17,5% das alíquotas aplicáveis à tributação de aplicações financeiras, ao mesmo tempo em que mantém grande parte das isenções de títulos que hoje estão em vigor.

​O mercado de títulos públicos já opera sob considerável estresse.

A acentuada abertura das taxas de juros dos títulos de longo prazo nos últimos anos é um sintoma inequívoco do aumento da percepção de risco. O Tesouro Nacional já enfrenta um custo de captação elevado e uma crescente dificuldade em alongar o prazo de sua dívida. Este quadro demanda medidas que aumentem a segurança jurídica e a confiança dos investidores, e não o contrário.

​A MP 1303, contudo, introduz mecanismos que agravam este cenário.

O fim da tributação diferenciada por prazo de aplicação e por prazo médio dos fundos deve reduzir significativamente a demanda por títulos mais longos. Este é um desincentivo perigoso, especialmente no atual ambiente de forte crescimento da dívida e dos desafios fiscais que se avizinham em um ano eleitoral, um momento que exigiria, inversamente, maior estabilidade e apetite por prazos mais longos.

Além disso, o cálculo de arrecadação da MP 1303 não supõe migração entres os diversos tipos de instrumentos de investimentos – o que o crescimento recente de títulos isentos mostra ser falso. O estoque total de incentivados já ultrapassa R$ 2,5 trilhões, com um custo anual da ordem de R$ 50 bilhões. Mesmo a retirada de LCI e LCA da base não deve ter muito efeito positivo, pois o investidor tem a opção de acessar os mesmos ativos isentos em outras estruturas.

​Na prática, a MP aprofunda a distorção que supostamente visava corrigir. 

Ao aumentar a diferença de atratividade entre as aplicações em títulos públicos (tributadas) e os instrumentos isentos, a medida gera um efeito duplo e igualmente prejudicial à trajetória da dívida pública.

Por um lado, estimula a migração de recursos de investidores tributáveis para os produtos isentos. Por outro, fomenta a concentração dos títulos públicos nas carteiras de entidades já isentas, como instituições financeiras e investidores estrangeiros, erodindo a base de arrecadação sobre o capital e diminuindo a demanda pela dívida pública dos agentes tributados, com consequente aumento de taxas.

​Essa deterioração das condições de mercado não poderia vir em pior momento.

As projeções do Relatório Prisma Fiscal, elaborado pelo próprio Ministério da Fazenda, já apontam para uma trajetória da dívida que inspira atenção máxima. Acrescentar um novo fator de estresse que simultaneamente encarece e encurta o prazo da dívida é agravar um desafio que já é imenso.

Não conseguimos compreender o racional da nova proposta, pois ela parece piorar as regras do imposto de renda em todas as dimensões: i) o sistema tributário fica menos isonômico com aumento das distorções entre isentos e tributáveis; ii) tais distorções ao invés de aumentar devem reduzir a arrecadação; iii) e aumentam a regressividade pois o ganho da isenção fica concentrado em pessoas de alta renda, mais do que compensando um possível efeito positivo da equalização das alíquotas por prazo.

​Convém relembrar o recente episódio envolvendo as mudanças no IOF. A tentativa de alteração via decretos, sem um debate mais aprofundado com o mercado, gerou instabilidade e demandou uma rápida reavaliação por parte do governo em poucas horas.

A experiência demonstrou como a ausência de um diálogo mais amplo pode criar incertezas e dificultar o alcance dos objetivos pretendidos, reforçando a importância da previsibilidade nas decisões de política econômica.

​É imperativo reconhecer que esta proposta se insere num contexto mais amplo, onde medidas de incentivo de maneira geral têm causado efeitos desiguais no mercado de crédito. A vantagem concedida a alguns tem gerado custos para todos.

Por exemplo, o spread médio entre debêntures de infraestrutura e do Tesouro Nacional já é negativa. Mas a taxa dos títulos do Tesouro é tão alta que eleva os custos de crédito a níveis recordes na sociedade como um todo. Isso torna o atual texto do projeto não somente ruim no mérito, mas também intempestivo.

​Apelamos, portanto, à sensibilidade e à responsabilidade do governo e do Congresso para que reavaliem esta proposta. O caminho mais prudente seria abrir um diálogo mais aprofundado com os especialistas e participantes do mercado para construir uma solução que, de fato, fortaleça nosso sistema financeiro em vez de fragilizá-lo.

 Carlos Woelz é fundador da Kapitalo Investimentos.