Após anos de avanço do crime organizado no setor de combustíveis, as ações da Receita Federal, Polícia Federal, Estado de São Paulo e ANP podem mudar, de forma significativa, o desenho do mercado de combustíveis do Brasil.
A maior formalidade – o combate às adulterações e à sonegação – pode trazer de volta atores importantes que saíram do mercado brasileiro por conta de práticas desleais na concorrência.
Serão novos investimentos para destravar os gargalos logísticos do País, como terminais, dutos e navios de cabotagem, que precisam de tempo para serem recuperados, com garantias de estabilidade jurídica e regulatória, e antes não podiam ser feitos dado o avanço significativo do crime organizado.
O setor de biocombustíveis também tem sido afetado pela presença do crime com empresas especializadas em não adicionar biodiesel; adulterar gasolina e etanol com metanol, chegando, inclusive, às bebidas alcoólicas; e não adquirir os créditos de descarbonização (CBIOs) da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).
O Congresso Nacional, assim como o Poder Executivo e a ANP, tem reagido e buscado fortalecer as ações de combate ao crime organizado no setor. Neste contexto, a aprovação do Projeto de Lei do devedor contumaz (PLP 125/2022) pela Câmara dos Deputados, que agora segue para sanção, é fundamental.
Devem ser destacados também o PLP 109/2025, que dispõe sobre o acesso da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP às informações fiscais dos agentes regulados para fins de fiscalização e regulação do setor, e o PL 399/2025, que dispõe sobre penalidades relativas à comercialização de combustíveis e biocombustíveis.
Quanto ao devedor contumaz, tão logo a lei seja sancionada, acredito que ANP deva se esforçar para rapidamente internalizar esse tema em seu arcabouço regulatório, a fim de impedir que agentes cuja estratégia comercial seja a de não pagar tributos continuem a atuar.
A integração da ANP com a Receita Federal e fiscos estaduais deve ser feita de forma prioritária. Hoje o fato de possuir autorização da ANP é usado pelos sonegadores para legitimar suas operações e burlar o pagamento de tributos em defesas judiciais contra as ações de fiscalização tributária. Por outro lado, sem essa legislação do devedor contumaz, o espectro de atuação da Agência seria mais limitado. Integrar e combinar esforços é fundamental.
O acesso às notas fiscais pela ANP é fundamental para melhorar a qualidade das informações da Agência. Nessa linha, o PLP 109/2025 representa um grande avanço na capacidade fiscalizatória com acesso aos volumes, preços, origem e destino, dentre outras informações. Para tanto, este acesso deve ser automático para todos os agentes que possuem autorização da Agência, e não ser algo voluntário.
Hoje a ANP faz suas análises com seu sistema que recebe dados declaratórios que, por vezes, são reprocessados várias vezes e não possuem necessariamente a completude das notas fiscais emitidas. Assim, robustecer a qualidade das informações da Agência permite que desvios sejam identificados como falhas no balanço de massa, descaminho de matérias-primas e preços praticados não condizentes com as condições de mercado, como produção de produtos de preço inferior aos insumos.
O PL 399/2025 também contribui ao majorar as penalidades que se encontram defasadas para desestimular as práticas de ilícitos administrativos. Importante que se evite pormenorizar aspectos do processo administrativo da ANP, aumentando de forma desnecessária sua complexidade, e que se evite também introduzir, no ordenamento jurídico, a prova de dolo para aplicar sanções administrativas pela Agência. É preciso simplificar o processo administrativo da Agência, dando maior celeridade às decisões.
Adicionalmente, aprovar uma lei com o estabelecimento de taxas para as atividades da Agência é fundamental para reforçar seu orçamento. A ANP é das poucas agências que não cobra taxas.
Combinar essa nova legislação com a aprovação do Projeto de Lei Complementar n° 73, de 2025, que determina que as despesas das agências, quando custeadas com receitas próprias, taxas de fiscalização ou fundos específicos, não serão sujeitas a cortes ou bloqueios orçamentários, dotará a ANP dos recursos necessários para modernizar seu parque de TI, intensificar a utilização de inteligência artificial, bem como aumentar a fiscalização de campo que precisa de investimentos em equipamentos e recursos para colocar a fiscalização na rua.
Por fim, há de se ter atenção e vigilância durante a tramitação desses projetos de lei, com o objetivo de se evitarem emendas indesejáveis, como a que ia recriar a figura do formulador de combustíveis, que a ANP suspendeu em defesa do interesse público, e emendas que buscam limitar a atuação fiscalizatória da Agência.
Pietro Mendes é diretor da ANP.











