Desde sua concepção (e por muito tempo) a malha de transporte de gás no Brasil foi monopólio da Petrobras, que explorava esses ativos de forma integrada, oferecendo aos consumidores um preço fechado, sem transparência, ao não especificar o que era o custo da molécula e o custo do transporte. 

O Governo Temer obrigou a Petrobras a separar os custos, como parte do processo – mais tarde abortado – de privatização dos ativos de transporte de gás.

O primeiro trecho da malha a ser vendido foi a NTS, em 2017; o segundo foi a TAG, em 2019.

Nesses processos, a Petrobras concordou em garantir aos compradores a receita contratada até o fim dos contratos originais – que ficaram conhecidos como ‘contratos legados’ – independentemente de qualquer mudança de mercado, havendo ou não novos entrantes (consumidores) na malha. 

Isso significa que, caso a tarifa caísse, ou mesmo o mercado fosse reduzido, os compradores receberiam da Petrobras o pagamento da diferença, ou seja: os compradores a NTS e TAG assumiram um negócio praticamente sem risco, dado que o único risco existente seria um default da Petrobrás.

Cabe observar que, anteriormente às privatizações, a ANP já havia estabelecido regras de longo prazo para cálculo, atualização e revisão de tarifas de transporte através da Resolução No. 15 de 14 de março de 2014, que estava em pleno vigor quando das negociações e que não caducou. 

Aquela resolução determina que a malha de transporte de gás deveria passar pelo primeiro ciclo de revisão tarifária entre 2015 e 2019 e, posteriormente, a cada quinquênio. 

Porém, a única transportadora de gás a passar por esse processo foi a TBG – o trecho da malha que permaneceu com a Petrobrás – em 3 de dezembro de 2020, resultando à época numa redução de tarifa de 30%.

Curiosamente, a ANP nunca realizou o mesmo procedimento de revisão tarifária determinado na sua própria resolução para as empresas privatizadas (TAG e NTS) durante o ciclo tarifário de 2015-2019 – e tampouco o fez até hoje.

Estimativas do CBIE apontam que as tarifas destas transportadoras deveriam ser de 20% a 30% menores que as atuais, não fosse por este ‘lapso’ na aplicação da legislação (uma resolução do agente regulador é uma legislação setorial) para as malhas da TAG e da NTS. 

Quanto maior o atraso na revisão tarifária, mais negativo o impacto, dado o volume de investimentos abaixo da depreciação e a parcela totalmente depreciada de ativos.  

Esse ‘descuido’ regulatório provoca distorção nos preços do gás no País, fazendo com que todos os segmentos da economia – residências, comércio e indústria – paguem mais caro pelo gás.

Esta excentricidade também chegou recentemente ao setor elétrico. 

Representantes das transportadoras de gás têm buscado convencer alguns agentes do governo a defender uma ideia que estão batizando de “pass-through” – na prática, a inauguração do fenômeno dos “jabutis” no Poder Executivo. 

Por esta proposta, as termelétricas que recebem gás através da malha de transporte – leia-se os gasodutos da NTS e TAG – seriam obrigadas a contratar o serviço de transporte de gás em base firme, pelo prazo do seu contrato com o sistema elétrico, sem que esse custo seja considerado na formação do preço desses empreendimentos no Leilão de Reserva de Capacidade ora em curso pelo Ministério de Minas e Energia. 

Para se ter uma ideia, a última usina termoelétrica construída com gás da malha foi em 2014 (em Seropédica, Baixada Fluminense). De lá para cá, todos os novos projetos vencedores de leilões para contratação de energia ou potência utilizando gás natural foram projetos associados a terminais de GNL ou a campos de gás seco em terra – pela simples razão de que essas soluções de suprimento são mais baratas e não precisam pagar as pesadas tarifas de transporte dos contratos legados.  

O fato, puro e simples, é que sem o processo de revisão tarifária, o custo elevado do transporte de gás no Brasil – que é da ordem de US$ 2/MMBtu, praticamente, o dobro do praticado na Europa e EUA!) – fará com que uma termelétrica conectada à malha de transporte tenha seu custo fortemente onerado, exportando custos indevidos para o tão sofrido consumidor de energia elétrica.

Adriano Pires e Bruno Pascon são diretores do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).