O Brasil é o país das dicotomias e, em se tratando de descarbonização, não é diferente.

Somos o sexto maior emissor global de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, temos características estruturais que nos colocam em posição inigualável para nos tornarmos uma das maiores potências viabilizadoras de uma economia mundial mais verde. Com comprometimento e investimentos públicos e privados sistemáticos, a transição para o carbono zero é possível – e podemos ir além.

Quais são as características que colocam o Brasil à frente de outros grandes emissores? A principal delas é a grande concentração de emissões resultantes do desmatamento e da agropecuária. Em 2021, 70% do total de emissões líquidas do Brasil – 1,7 gigatonelada de CO2 equivalente (GtCO2e) – derivaram dessas duas frentes, sendo o desmatamento ilegal sozinho – concentrado, sobretudo, no bioma da Amazônia – responsável por 40% das emissões.

Em países como China, Estados Unidos e outras economias desenvolvidas, a maior parte das emissões vem de setores como transporte, indústria e energia (que, no Brasil, representam apenas 20% das emissões). Nesses casos, ativar as alavancas da descarbonização é custoso, e aqui surge outra vantagem competitiva do Brasil: descarbonizar nossa economia é significativamente mais barato em comparação a outros grandes emissores. Com um custo próximo a US$20 por tonelada de CO2e, o Brasil conseguiria ativar 95% das alavancas necessárias, enquanto para economias mais desenvolvidas esse custo pode superar os US$100.

Se empreendidos esforços ambiciosos, visando ao aproveitamento pleno do potencial do país, os impactos chegam a até US$35 bilhões por ano de incremento no PIB brasileiro, com a geração de até 2,5 milhões de novos postos de trabalho, segundo as previsões mais arrojadas.

Os dados estão retratados em detalhe na mais recente e inédita pesquisa conduzida pela McKinsey & Company sobre o assunto, que examina o cenário atual de emissões brasileiras, os possíveis caminhos rumo à descarbonização e os investimentos necessários para contribuirmos de forma única com o crescimento sustentável e inclusivo no mundo.

 

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Os caminhos que levam ao carbono zero

Entre 2003 e 2009, as emissões brasileiras caíram 45%. Os avanços no controle do desmatamento ilegal levaram à redução das emissões associadas em 66%, o que mais do que compensou o crescimento da atividade e das emissões de outros setores. Desde 2009, no entanto, as emissões brasileiras voltaram a crescer.

Em um cenário hipotético de manutenção do status quo, sem a ativação de nenhuma alavanca adicional de descarbonização, as emissões líquidas brasileiras deveriam crescer cerca de 25% até 2050 e atingir 2,1 GtCO2e. O cenário é muito distante do compromisso assumido no Acordo de Paris, que almeja a redução de emissões de gases do efeito estufa a zero, em 2050, para limitar o aquecimento global a 1,5°C até o mesmo ano.

Outro cenário – esperamos que mais provável – asseguraria a transição energética em tempo hábil para cumprir o Acordo. Nele, o Brasil conseguiria de fato atingir a neutralidade em 2050. Para isso, seria necessário um investimento anual médio de US$ 80 bilhões, compensado em grande parte pela produtividade adicional gerada principalmente no setor agrícola. O incremento no PIB poderia chegar a até US$ 15 bilhões ao ano, com geração de mais de 1 milhão de empregos.

Muito além do carbono neutro

O Brasil tem, porém, uma excepcional oportunidade. Para capturá-la precisaremos ser muito mais arrojados. No cenário que batizamos de All Green, seria possível zerar as emissões até 2030, fazendo do Brasil o único país de dimensões continentais a tornar-se carbono neutro já no início da próxima década. E indo além, poderíamos chegar a emissões líquidas negativas (-1,7 GtCO2e), em 2050, com capacidade de oferecer compensações a outros países, sendo um dos protagonistas na descarbonização do planeta.

Para atingir esses resultados, seria necessário um investimento anual médio de $165 bilhões até 2050, com os custos também compensados, principalmente pela produtividade agrícola adicional. A contribuição no PIB mais do que dobraria em relação ao cenário anterior, podendo somar ganhos de até US$35 bilhões ao ano e a criar até 2,5 milhões de empregos.

 

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Em ambos os cenários de descarbonização projetados, a trilha da sustentabilidade brasileira passa, essencialmente, por frear o desmatamento ilegal e adotar práticas sustentáveis de agricultura e pecuária. Entre essas práticas, a agricultura regenerativa, técnicas de mitigação para o gado leiteiro e de corte, e geração e uso de biocombustíveis e biogás nas fazendas.

Embora as alavancas da agropecuária respondam por 80% da redução e absorção necessárias, sozinhas elas não são suficientes: é crucial controlar e reduzir as emissões em outros setores também. As principais iniciativas incluem aumento da participação de fontes renováveis na matriz energética do país, implementação de captura e armazenamento de carbono, promoção do uso de hidrogênio verde e aumento do parque de veículos elétricos.

Vale mencionar que produtos de baixas emissões exportados pelo Brasil – hidrogênio, amônia e biocombustíveis avançados, por exemplo – teriam impacto significativo na redução do custo de descarbonização de outros países, mesmo que seu impacto positivo não fosse contabilizado nas emissões atribuídas ao Brasil.

O mapa da trilha: as alavancas da descarbonização

Capturar de maneira eficaz as oportunidades dentro da realidade da nova economia de baixo carbono dependerá da capacidade dos setores público e privado se engajarem, de forma colaborativa e ambiciosa, em transformações complexas, mas possíveis. Tais transformações estão relacionadas a três aspectos gerais.

Regras, regulamentações e metodologias de mensuração

Uma das principais fontes de emissões, o desmatamento ilegal é impulsionado por mecanismos de apropriação ilegal de terras. É necessário reforçar a regulamentação e a vigilância atuais, com a aplicação eficaz da legislação ambiental.

Atualizar o documento que regula as metas brasileiras de redução de emissões (NDC, sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) também é fundamental. A organização internacional WWF classifica a NDC Brasileira como aquela “que não queremos”. A evolução requer planos e metas de descarbonização setoriais, mecanismos de controle e financiamento, entre outros. Países latino-americanos, como Colômbia e Chile, podem nos servir de exemplo.

De forma complementar, o fortalecimento dos padrões de medição de emissões e das metodologias de monitoramento é crucial para rastrear as emissões e absorções do Brasil. Capturar nossa vantagem no mercado de commodities verdes exigirá uma metodologia adequada de contabilização de emissões, especialmente para medição do carbono retido no solo.

Incentivos econômicos e mecanismos financeiros

É preciso criar e implementar um mercado regulado de carbono, similar ao que já acontece na Europa. É fundamental que as partes interessadas acelerem o debate e criem um órgão independente de governança para coordenar o comércio internacional de créditos de carbono, garantir a integridade dos mercados e melhorar o processo de tomada de decisão.

Além disso, é preciso promover um ambiente que atraia o capital necessário para a descarbonização, por exemplo, por meio da definição legal, tributária e contábil de créditos de carbono; criar incentivos que promovam a escalada de novas cadeias produtivas (como foi feito para eólica e solar) e desenvolver de mecanismos de financiamento (como project financing) para os projetos de transição.

Tecnologia e talentos

No âmbito do conhecimento científico, é preciso atualizar e incrementar os currículos de formação em programas de doutorado e bolsas de pesquisa, a exemplo do que acontece hoje por meio da Embrapa. Já no âmbito da formação profissional, será preciso criar programas de capacitação com foco no desenvolvimento de habilidades para funções estratégicas, técnicas e operacionais necessárias em uma economia mais verde. À medida que alguns setores aumentarem a geração de empregos, os segmentos com alto nível de emissões reduzirão a participação da força de trabalho necessária, resultando na necessidade de desenvolvimento de novas competências.

Enfim, o Brasil tem uma oportunidade excepcional diante de si. O desafio está amplamente mapeado e os caminhos se tornam cada dia mais claros. Agora, é preciso comprometimento e uma boa dose de ambição para assumirmos de vez o nosso protagonismo na descarbonização mundial.

Ao menos em relação à sustentabilidade, já podemos deixar de ser o país do futuro e construirmos a nossa liderança no presente – uma tarefa para governos e empresas.

 

Henrique Ceotto é sócio da McKinsey em Belo Horizonte, líder da prática de Sustentabilidade no Brasil. João Guillaumon é sócio da McKinsey em São Paulo e líder da prática de Transição Energética e de Materiais na América Latina.

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