Na ligação, um dos depoimentos mais contundentes veio de Carlos Jorge Monteiro, fundador de uma ONG no Vergel, uma comunidade em Maceió e hoje uma das mais afetadas pela covid-19 na cidade.
“Aqui a covid não chegou, mas a fome já bateu,” Carlos disse aos empresários reunidos na teleconferência, que eram principalmente de São Paulo. Ele explicou que sua comunidade vive da pesca e que bares e restaurantes ao redor já estavam fechando.
O relato de privações abalou os ouvintes.
Ao final da conferência, Daniel Goldberg, sócio responsável pela América Latina da Farallon Capital, um fundo de investimentos americano, ligou para o CEO da Oi, Rodrigo Abreu.
Num país em que há mais brasileiros com celular do que contas bancárias, Goldberg provocou: “Não tem como criarmos uma solução para agilizar o envio do auxílio emergencial que esses caras precisam?”
Começava ali um esforço conjunto de pessoas do setor privado para criar uma solução tecnológica para um problema de política pública que o Estado brasileiro — assim como inúmeros outros — não estava preparado para responder.
Desde que a pandemia começou, a Caixa se tornou um vetor de soluções para o governo, usando sua capilaridade e experiência com as classes C e D para distribuir os R$ 600 do auxílio emergencial. Mas apesar do avanço, o processo da Caixa acaba exigindo que o cliente vá à agência para botar a mão no dinheiro, em muitos casos gerando filas que dobram o quarteirão.
O problema persiste: como atingir o público não bancarizado, e evitar que ele tenha que ir à agência?
Na Oi, Abreu tinha uma ideia vaga do que poderia ser feito. Lembrou-se que sua companhia já tinha uma parceria com uma fintech chamada Conta Zap Bank, que faz transações financeiras como pagamento de contas e transferências por meio de redes de mensagens, como o WhatsApp. Seu foco é atender as classes C, D e E, marginalizadas pelo sistema bancário tradicional e, muitas vezes, negativadas.
O CEO da Zap, Roberto Marinho — nada a ver com a família controladora da Globo — foi recrutado para ajudar. O grupo também inclui o head de produto da Geru, uma fintech de crédito privado.
Em três semanas, o grupo desenhou o Zap do Bem, uma solução que consiste, de um lado, na transferência de dinheiro via um bot de Whatsapp para as famílias, e, de outro, no credenciamento dos supermercados, padarias e farmácias para aceitar o pagamento pelo sistema da Conta Zap Bank.
Usando o cadastro do Instituto MandaVer, a ONG local, um piloto começou no Vergel no dia 20 de abril, e aferindo as eventuais limitações do modelo e sua escalabilidade. Quatro mil famílias já foram cadastradas, e Goldberg pessoalmente fez transferências para metade delas.
Os beneficiados recebem um convite via mensagem e abrem a conta, informando seu CPF, data de nascimento e endereço. Os dados são então cruzados com um cadastro do SERPRO para avaliação se o candidato é elegível. Em caso positivo, ele recebe o auxílio diretamente em seu celular.
No país do golpe pela internet, inicialmente as pessoas ficaram receosas ao receber no Whatsapp um mensagem dizendo que era possível ganhar R$ 200 por ali mesmo. Para mostrar que a mensagem era legítima, Goldberg pediu a Huck que gravasse um vídeo para ser disparado para a base. Outras celebridades do mundo do entretenimento também estão gravando vídeos informativos.
“Enviar dinheiro é sempre a melhor solução,” Goldberg disse ao Brazil Journal. “Às vezes o cara não precisa de uma cesta básica, ele precisa é de um botijão de gás, ou de comprar um remédio porque o filho está doente.”
Com a solução rodando sem grandes problemas, o sonho do grupo é que governos adotem a ferramenta ou algo similar. Só o Cadastro Único do Governo Federal, por exemplo, tem mais de 50 milhões de nomes.