PITTSBURGH, Pennsylvania – Esta semana meu marido, John Fetterman, tornou-se o primeiro senador democrata a representar a Pensilvânia num assento ocupado pelos Republicanos desde 1962. Sua campanha e eleição ao Senado fizeram dele um fenômeno nacional.

Sou brasileira, vim para os Estados Unidos aos sete anos. Em 2008, quando nos casamos, ele já era prefeito de Braddock, nos subúrbios de Pittsburgh. Mais recentemente, era o vice-governador do estado.

Para mim, ele é apenas o ‘João’.

John fettermanCada estado americano é representado em Washington por dois senadores. A Pensilvânia foi o único estado entre os cinquenta nessas eleições a se tornar um ‘flip state’, ou seja, quando um assento muda de partido. O outro senador é o Bob Casey Jr.

As contagens de voto aqui nos EUA demoram porque são manuais. Ninguém esperava um resultado na mesma noite, mas nos ligaram às duas e meia da manhã porque John ganhou por uma boa margem.

Comparativamente, ele teve mais votos que Joe Biden e muitos outros candidatos em outras eleições. Estávamos ali, no meio da noite, naquela adrenalina, rodeados por todos os comentários na TV e na internet.

John não consegue passar despercebido: ele tem dois metros de altura, barba apenas no queixo, e ambos antebraços tatuados. De um lado, o número 15104, o CEP de Braddock, o município nos subúrbios de Pittsburgh onde ele foi prefeito entre 2005 e 2019. Do outro, nove datas – dia, mês e ano – de assassinatos que ocorreram quando ele era prefeito. Datas que ele não esquece.

John é muito generoso. Para ele, o mundo são nossos três filhos, eu e as pessoas. Os outros vem em primeiro lugar. Ele tem três shorts e três blusas – pode colocar a vida dele numa maletinha e sair.

A candidatura para um cargo público é um sacrifício também da família. Sentamos para conversar e decidir juntos sobre o passo dele para senador. Pessoalmente, não gosto de política. Mas quem possui a habilidade de melhorar a qualidade de vida de pessoas deve seguir esta carreira. Essa é a meta dele, então é claro que o apoiamos.

A campanha durou dois anos, em duas etapas: as eleições primárias e depois a geral. Nas primárias, John ganhou em todas as regiões do estado, algo inédito na Pensilvânia. Fizemos uma campanha positiva, divertida, eficiente. Os eleitores estavam desacostumados a ver esta postura na política.

Acho que foi a primeira vez, em muito tempo, que as pessoas se viram em um candidato: uma pessoa normal, boa, que ama sua família e se veste do jeito que seus eleitores se vestem, fala do jeito que eles falam, e estava buscando um cargo que qualquer um pode almejar.

Viajamos o estado inteiro e debatemos sobre tópicos considerados “não populares” no meio republicano, incluindo imigração e aborto. Nunca mudamos nossas crenças.

No passado, os democratas tinham medo de ter conversas difíceis em ambientes não lhes eram familiares. Mas nós nunca desistimos de ninguém – nem mesmo dos eleitores de Donald Trump e dos que sempre foram republicanos. Mostramos que há alternativas.

Meu marido sofreu um derrame a um mês da eleição. Aconteceu na minha frente. Foi um choque, e a imprensa passou a debater sobre sua capacidade de trabalhar.

Estávamos a caminho de um evento. Desviamos para o hospital. Na hora ele disse: “estou ótimo”, mas eu vi a boca dele “cair” involuntariamente. Ele queria seguir adiante, chegar ao evento. Eu falei: “Vamos para a emergência agora”. Aprendi que a cada 40 segundos alguém sofre um derrame, e quase 70% dos homens não vão para o hospital. O que aconteceu com o John ajudou a educar as pessoas sobre este assunto.

A partir deste mês, ele começa uma nova rotina, passando parte da semana em Washington DC, a quatro horas e meia daqui. Vou ficar com as crianças em Pittsburgh e iremos para lá algumas vezes por mês. Para quem viajou o estado inteiro, esta distância não é nada.

Apesar de formada em nutrição, sou um desastre na cozinha – mas minha mãe sempre prepara um bom arroz com feijão para o John, que adora a comida brasileira. Além dos três filhos e dois cachorros, fundei e lidero três ONGs locais nas áreas de insegurança alimentar, pobreza e empreendedorismo feminino.

Também faço arte em mosaico. Exceto por um episódio triste em 2020, os moradores da nossa cidade são muito generosos comigo: sempre aparecem com materiais de reciclagem para as minhas obras. Minhas criações são leiloadas e o dinheiro arrecadado vai para projetos sociais no estado.

Meus três filhos – dois meninos e uma menina – fazem aula de português com uma brasileira, e durante a Copa queriam matar a aula para assistir ao jogo, mas eu não deixei. Tento fazer com que a política seja uma parte muito pequena da vida das crianças. Eles participaram de dois eventos de campanha, apenas.

Um deles foi para conhecer o Obama, que eu sabia que eles iam curtir. O ex-presidente ajudou muito a campanha do John, estivemos com ele duas vezes. Numa delas, por causa da pressa, John e eu voamos no avião dele.

Obama é uma simpatia – disse que sonha em passar um Carnaval no Brasil. Adorei ouvir isso dele. Amo o meu País e não viajo para lá desde que a pandemia começou. Inclusive, perdi um tio para a covid,  uma perda da qual ainda não me recuperei. Pretendemos ir em breve.

Álbum de família:  na primeira foto, a família em casa. Na segunda, os Fetterman na posse de John, posando com Kamala Harris.

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