A Eletrobras provisionou mais R$ 9 bilhões para cobrir eventuais perdas com discussões judiciais sobre empréstimos compulsórios que remontam aos anos 60 — porque no Brasil, até o passado é incerto — e o assunto virou a grande surpresa do resultado da empresa no terceiro tri.

Agora, o total provisionado pela estatal por conta desses empréstimos cobrados nas contas de energia nas décadas de 70/80/90 subiu para R$ 26 bi.

O valor da provisão, próximo a 17% do valor de mercado da companhia, pegou alguns analistas de surpresa. Os analistas do Bradesco BBI esperavam uma provisão adicional de R$ 7,3 bilhões.

Ao longo de vários governos, Brasilia tornou um hábito cobrar o “empréstimo compulsório” nas contas de energia com a justificativa de que o governo precisava levantar recursos para expandir e melhorar o setor elétrico brasileiro.

A cobrança teve duas fases. A primeira vigorou de 1964 a 1976 e atingiu várias classes de consumidores, que receberam como contrapartida títulos ao portador. Até hoje, a Eletrobras enfrenta na Justiça ações que discutem principalmente o prazo de prescrição do pagamento desses títulos, mas os valores relativos a essa época são irrelevantes.

O problema para a Eletrobras é o passivo que acabou sendo gerado na segunda cobrança do empréstimo compulsório, que vigorou de 1977 a 1993. Nesse período, o recolhimento foi na conta de consumidores industriais com consumo mensal de energia igual ou superior a 2.000 kwh. E, em vez de títulos ao portador, esses grandes consumidores receberam créditos escriturais da Eletrobras.

Esses créditos deveriam ser pagos no prazo de 20 anos, mas a Eletrobras tinha a opção de antecipar os pagamentos, convertendo os créditos em ações preferenciais e entregando esses papéis aos credores. A empresa escolheu a segunda opção, e em assembleias realizadas em 1988, 1990, 2005 e 2008, aprovou a emissão de ações e a conversão dos créditos; a empresa entende que, com isso, cumpriu com a sua obrigação.

No entanto, ao longo dos anos, começaram a surgir diversas ações na Justiça, com diferentes questionamentos sobre a conversão dos créditos. As discussões passam pelo critério utilizado pela Eletrobras para a atualização do valor nominal do principal e dos juros, pelo questionamento dos juros devidos, pelo prazo de incidência de juros para o pagamento dos créditos e por quem teria o direito de executá-los, entre outros temas.

Ao longo dos anos, a empresa vem analisando a jurisprudência dos diversos casos e classificando as perdas nesses processos como possíveis, impossíveis e prováveis — essas últimas são provisionadas.

O que aconteceu de mais relevante nesse trimestre, segundo a Eletrobras, foi que uma reavaliação dos riscos reclassificou R$ 5,2 bilhões em perdas de possíveis para prováveis.

Outros R$ 2,2 bilhões vieram de uma nova provisão para a “alteração do marco temporal da parcela adversa,” que se refere a pagamentos que são antecipados enquanto o processo ainda está em discussão.

A empresa ainda possui mais R$ 2 bilhões em causas consideradas como perdas “possíveis” e perto de R$ 15 bilhões em “impossíveis”.

Numa call com analistas agora à tarde, a Eletrobras disse que nos últimos trimestres vinha constantemente fazendo ajustes significativos nessas provisões — da ordem de R$ 400 milhões — e agora, depois do trabalho de reavaliação dos riscos, tem a expectativa de que essas provisões parem de subir.

O tema vem sendo acompanhado de perto pelos investidores porque a privatização da Eletrobras está sendo discutida e  o cálculo do preço mínimo da empresa considera todos os seus passivos.

“É melhor privatizar a Eletrobras logo….” os analistas do Bradesco cravaram no título do relatório.

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