Meu pai nunca foi um homem religioso – mas hoje, dois anos depois de sua partida, consigo perceber o quanto Armando Klabin foi fiel aos valores judaicos por toda sua vida.

Um líder humano, que procurou influenciar não pelo poder, mas pelo exemplo, e um homem que acreditava no diálogo e fez questão de deixar registrada a história de seus antepassados: valores centrais do judaísmo.

Posso dizer o mesmo sobre meu avô, de quem herdei o nome. Wolff Klabin foi um empreendedor que nunca deixou de se preocupar com a comunidade e praticava ativamente tikkun olam — a expressão em hebraico que condensa a ideia de que os judeus são responsáveis não apenas pela própria moral e bem-estar material e espiritual, mas também pelo bem-estar da sociedade como um todo, ou seja, por tornar o mundo mais humano.

rabino do mundoNa leitura de O rabino do mundo: a sabedoria judaica compartilhada (selo História Real, Editora Intrínseca, 144 páginas) de Gustavo Binenbojm — um advogado que se notabilizou pela defesa de causas ligadas à liberdade de expressão, como a que liberou as biografias não autorizadas e a que derrubou a censura ao humor e à crítica jornalística em período eleitoral — lembrei dessa e de outras histórias da minha vida e da minha família.

No livro, Binenbojm compartilha também algumas de suas histórias pessoais e sumariza as grandes lições de Jonathan Sacks.

Nascido em Londres em 1948 e falecido em novembro de 2020, Sacks foi rabino, filósofo, teólogo, autor de dezenas de livros e um dos líderes mais importantes de seu tempo.

Binenbojm credita o grande alcance de suas palavras à demanda da humanidade por sentido e propósito: “Sua voz transcendeu os muros da comunidade judaica e britânica para ressoar em ambientes políticos, nas universidades, nos diálogos interreligiosos e na formação mais ampla do debate público nas redes sociais.”

Binenbojm aborda temas como o perdão, o antissemitismo, a fé e a democracia pelo olhar de Sacks. Ao entrelaçar episódios envolvendo o rabino e ensinamentos facilmente aplicáveis em nosso cotidiano, sejamos nós judeus ou não, Binenbojm nos entrega mais que um livro: um guia de valores que não devem nunca ser perdidos de vista.

Ao narrar um sermão em que Sacks aponta um momento em particular da vida de Moisés, Binenbojm deixa aos leitores uma grande lição sobre liderança. A trajetória de Moshe como líder estava praticamente encerrada, e seu sucessor, Joshua, já havia sido indicado. “Para ele, não haveria mais batalhas a vencer, milagres a realizar, nem mais orações a pronunciar em nome do povo.”

No último mês de vida, entretanto, Moisés reúne o povo e profetiza o futuro dos judeus. Para Sacks, nesse momento, Moisés abandona o papel de libertador e se transforma no Moshe Rabbenu, “Moisés, nosso professor”.

Ciente de que seu tempo estava se esgotando e de que o povo judeu ainda enfrentaria novas provações, procurou “plantar visão em suas mentes, esperança em seus corações, disciplina em seus feitos e fortaleza em suas almas”. Com estas palavras, Binenbojm lança luz a mais uma lição de Sacks, indispensável para chefes, empresários e pais: “Quando líderes se tornam educadores, eles mudam vidas”.

A obra também narra magistralmente um encontro entre o rabino e o cientista Richard Dawkins. Nessa passagem, Binenbojm trata de liberdade e democracia, tópicos que me são muito caros.

Embora fosse um rabino ortodoxo, Sacks era acima de tudo um humanista que compreendeu a angústia do momento que vivemos. Em seus escritos e palestras, ele não apenas fez críticas contundentes ao extremismo como valorizou os grandes pilares que sustentam a sociedade, como o diálogo, a democracia e o direito.

A ruptura desses valores, como no caso da disseminação de informações falsas e o cyberbullying, é um perigo para a democracia e não condiz com os valores judaicos.

Sempre nutri o desejo de apoiar a democracia e a formação de líderes em nosso País. Tive o privilégio de estudar ciência política em Harvard e pude assim conciliar meu sonho com o conhecimento.

Nesse espírito, cofundei duas organizações sem fins lucrativos cujo objetivo é criar oportunidades para jovens transformarem o Brasil.

O Prep Estudar Fora, criado em 2009 e hoje parte da Fundação Estudar, que orienta de forma gratuita estudantes sobre como ingressar nas melhores universidades do mundo, e o RenovaBR, de 2017, uma escola preparatória para a política que fundei inspirado no desejo de dois jovens, Tábata Amaral e Renan Ferreirinha, de entrarem na vida pública.

Influenciado pelas lições de vida deixadas por meu avô e meu pai, procuro fazer minha parte para tornar nosso País mais justo e humano.

Não é necessário que você seja judeu, ou, sendo judeu, que seja religioso para vivenciar, seguir e passar a seus descendentes os grandes valores humanistas do judaísmo exaltados pelo rabino Jonathan Sacks e registrados com tamanha sabedoria por Gustavo Binenbojm.

Entre tantas lições do livro, a importância de contribuirmos com a democracia, com o diálogo, com a política pública e com a comunidade é a que me é mais cara, pois me foi ensinada pelos exemplos de meu pai e meu avô.

Moisés sabia que o esforço é coletivo e que o trabalho nunca está terminado. Que essa e outras mensagens deixadas por Jonathan Sacks e relembradas por Gustavo Binenbojm persistam no tempo, e que honremos a memória daqueles que tanto fizeram por nós.

Wolff Klabin é empresário e investidor.