A dificuldade em fechar as contas e uma mudança de mentalidade antes impensável podem mudar o futuro das duas vacas sagradas da economia de Minas Gerais: a empresa de saneamento Copasa e Cemig, a gigante de energia.
Na semana passada, o Governo Romeu Zema protocolou dois projetos de lei que, se aprovados, levarão à privatização das duas estatais.
Os projetos permitem que o Estado perca o controle acionário das empresas, pulverizando seu capital entre investidores privados.
O movimento traria recursos para um Estado cujas finanças estão debilitadas há anos, com uma dívida de R$ 165 bilhões – mas foi recebido com ceticismo pelo mercado, que acha difícil as privatizações irem adiante.
Por um dispositivo criado no Governo Itamar Franco, a Constituição estadual impede qualquer privatização sem a aprovação na Assembleia Legislativa – e sem uma aprovação por referendo popular.
O Governo Zema está tentando acabar com a necessidade de referendo desde agosto, quando enviou um outro PL para a Assembleia, mas não conseguiu avançar ainda. (A mudança precisa de 60% dos votos.)
O Governo corre contra o tempo: as eleições estaduais e federais no segundo semestre de 2026 tornam o prazo relativamente curto para se viabilizar privatizações deste tamanho.
Apesar dos desafios, o Vice-Governador Mateus Simões disse ao Brazil Journal estar confiante de que as duas privatizações vão sair do papel — e garante que o Governo tem uma base sólida e comprometida com os projetos.
“Considerando o tamanho da nossa base e o conforto dela com o tema, acreditamos que os dois projetos têm condições de ser aprovados ainda no primeiro semestre do ano que vem,” disse Mateus.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Parecia que este dia nunca ia chegar. Qual é o ambiente político em Minas hoje para uma privatização da Copasa e da Cemig?
Nossa base na Assembleia está muito tranquila sobre esse tema. A discussão sobre a federalização dos ativos do estado [como forma de reduzir a dívida] abriu algumas percepções. O Governo Federal já mostrou, por exemplo, que não tem interesse na federalização da Copasa. E os municípios enfrentam um momento difícil com a Copasa pela falta de velocidade na prestação do serviço e pela falta de velocidade na universalização do esgoto.
Eles olham para o movimento de São Paulo [a privatização da Sabesp] e ficam preocupados de estar ficando para trás. Um serviço ruim de água e esgoto é algo que machuca demais o município. Então, eu diria que o ambiente político em Minas é favorável hoje para uma privatização da Copasa.
Para acontecer essa privatização da Copasa, teria que haver uma renegociação do contrato com todos os municípios, como aconteceu com a Sabesp?
Teria que ter uma renegociação do contrato com alguns municípios-chave. Os municípios deficitários podem sair do contrato se quiserem. A região metropolitana é a âncora, e temos a lógica de compartilharmos de resultados com o município, então a rejeição seria pequena. Vai manter a Prefeitura de Belo Horizonte dentro. Seria muito difícil desmembrar, porque BH não tem fontes de água. A captação é fora do município.
E como é a situação da CEMIG?
Na CEMIG a situação é diferente. O Governo Federal tem interesse de federalizar, mas já disse que não pode fazer a federalização se a empresa não for antes transformada numa corporation, porque a federalização dispararia cláusulas de preferência que obrigariam o Governo Federal a desembolsar mais de R$ 30 bilhões para pagar os minoritários. Então, o projeto que enviamos para a Assembleia seria um mecanismo de viabilização da federalização da Cemig. Não seria algo contra ela.
Existe a previsão de o Estado manter uma golden share na Cemig. Qual seria o escopo deste golden share – e qual o risco de ele desvalorizar o ativo?
Para além da garantia da participação no conselho, nós teríamos na golden share a garantia de que a sede não poderia ser alterada sem aprovação do Poder Público. Nome também, para não perder a identidade com o Estado. Além disso, as aprovações dos planos de investimentos, para que os grandes objetivos públicos de desenvolvimento ligados à energia elétrica pudessem ser garantidos e mantidos.
Ou seja, temas estratégicos ligados à condição da empresa de prestação de um serviço de qualidade e de investimentos para o fomento da economia mineira.
O que dizem os projetos de lei que vocês enviaram para a Assembleia?
Os dois projetos são bem parecidos. Eles criam mecanismos que autorizam a perda do controle pelo Estado. Basicamente, o PL autoriza que o Executivo perca o controle das companhias. A forma de perder o controle não está estipulada no PL, mas ela pode ser colocada na discussão do Plenário.
Qual a expectativa de vocês para a tramitação?
Considerando o tamanho da nossa base e o conforto dela com o tema, acreditamos que eles têm condições de tramitar e ser aprovados ainda no primeiro semestre do ano que vem.
Qual é o tamanho da base de vocês hoje?
A base do Governo é de mais de 50 deputados de um total de 77. Tem 22 deputados que se declaram de oposição hoje, mas depende um pouco do tema. Em alguns temas, como funcionalismo, a nossa base é menor, mas para este tema especificamente tenho mais de 50 deputados.
Os líderes das bancadas já estavam cientes antes de enviarmos os projetos. É um tema que estamos discutindo com eles há anos.
No caso da Cemig, para transformar a empresa em corporation o Estado exigiria um prêmio na conversão de PNs para ONs?
Vai ter que ter um prêmio de controle. A transformação de todas as ações em ON não vai ser 1 para 1. Mas o tamanho desse prêmio vamos ter que negociar com o mercado, para os minoritários não se sentirem lesados na operação. Mas prêmio certamente haverá.
Qual a participação de vocês hoje na empresa?
Temos pouco mais de 17% do capital total e pouco mais de 50% do capital votante. Na conversão, nossa estimativa é que nossa participação no capital total fique entre 20% a 25%.
Mas como funcionaria essa Cemig federalizada, com o Estado de Minas tendo 25%? O Governo Federal mandaria na empresa? Não seria melhor privatizar em vez de federalizar?
Na federalização, os direitos que seriam transferidos ao Governo Federal são os mesmos que estariam garantidos ao Governo de Minas. Uma posição ainda muito relevante, e que acaba tendo uma posição… Não vou dizer de controle. Mas entendemos que numa empresa de capital pulverizado, o detentor de mais de 20% da companhia tem uma força muito relevante. Ele acaba sendo decisivo para quase todos os temas decididos em assembleia e um voto muito importante na construção dos temas construídos nos conselhos de administração.
A lógica é que os mesmos poderes que estariam sendo preservados na golden share ao Governo de Minas, na federalização são transferidos para o Governo Federal, que manteria essa força de influência no destino da companhia.
A necessidade de um referendo popular pode ser um empecilho para as duas operações?
Já existe um projeto de lei pedindo a retirada da necessidade do referendo, algo que foi incluído na lei no Governo Itamar Franco. Mas se precisar de um referendo, podemos seguir por esse caminho também.
Qual seria o modelo da operação da Copasa?
Copasa para nós é um modelo de venda, porque não precisamos de capitalização lá. O que precisamos na Copasa é ganho de agilidade nos processos dela. É uma companhia muito boa, mas muito lenta.
Ela tem uma capacidade financeira boa, uma baixa alavancagem, e teria condição de investir muito mais com recursos próprios do que investe hoje. Ela só não faz isso porque não tem uma boa capacidade de engenharia e de contratação e acompanhamento de obra, porque tudo é moroso, tudo vai para a lei de licitação.
A ideia seria vender um bloco e atrair um estratégico?
Para nós parece que o modelo mais lógico é de atração de um investidor estratégico, que não precisaria ter metade mais um, porque formaríamos o controle com ele. Mas pode ser que a pulverização seja um caminho.
Depois que o projeto for aprovado vamos fazer um roadshow para entender o mercado.