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Está chovendo capital sobre o Mercado Livre, e isso pode ter implicações críticas para outros players do ecommerce.
Com sua ação no pico histórico e valendo US$ 22 bilhões na Nasdaq, o Mercado Livre disse ontem à noite que vai levantar US$ 2 bilhões em capital.
Do total, US$ 750 milhões virão do PayPal, que está fazendo um investimento estratégico na empresa fundada pelo argentino Marcos Galperin e o brasileiro Stelleo Tolda.
O MELI vai levantar outro US$ 1 bi no mercado — e pode aumentar a oferta em US$ 150 milhões dependendo da demanda.
Além disso, o Dragoneer Investment Group — um fundo de São Francisco que tem como investidor David Bonderman, o fundador da TPG — vai comprar US$ 100 milhões em uma série especial de ações preferenciais perpétuas, conversíveis em ações votantes. O Dragoneer já investiu no Airbnb e no Spotify, entre outras empresas de tech.
Em princípio, um exercício de levantamento de capital como este pode ser de natureza reativa ou agressiva.
“O objetivo deles pode ser repetir aqui o que o Alibaba fez com o eBay na China, onde ela foi grande até ser dizimada,” diz uma fonte.
É lendária no ecommerce a história de como um homem franzino e baixinho chamado Jack Ma expulsou o eBay da China.
Ma levantou dinheiro com o Softbank (US$ 100 milhões) e depois com o Yahoo (US$ 1 bilhão por 40% da companhia), numa época em que o Alibaba sequer gerava caixa.
Com o dinheiro no caixa, Ma começou a rasgá-lo: meteu frete grátis no Taobao — sua plataforma focada em B2C — e partiu com tudo pra cima da eBay. A promessa de Ma: o frete grátis duraria três anos.
Liderados por Meg Whitman, os executivos da empresa americana viram que aqueles números não eram sustentáveis, e decidiram não fazer nada. “Free is not a business model,” proclamou a companhia. A frase entrou para os estudos de caso nas escolas de administração, mas quem ficou dono do mercado foi o Alibaba. (Até hoje, nem a Amazon penetra a China.)
Em 2006, o Taobao já tinha mais market share que a eBay na China — ‘game over’ para os americanos. A eBay fechou seu site no país no fim daquele ano, apenas três anos depois de desembarcar na China, e o triunfo épico de Ma foi documentado no filme “Crocodile in the Yangtze”.
Para fontes no setor de ecommerce, o MELI pode estar levantando este ‘war chest’ para repetir essa estratégia e fazer um movimento mais agressivo.
Até a grama do campus de Stanford sabe que, no mundo todo, o ecommerce é um duopólio. (No Mercado Livre, o tíquete médio é R$ 120, e o cliente faz oito compras por ano; na B2W, por exemplo, o tíquete médio é R$ 1.000 graças à linha branca, mas o consumidor só compra 1,3 vez/ano.)
“O MELI já tá nadando de braçada; o que vem por aí pode ser a pá de cal,” diz uma fonte que conhece bem ambas as empresas. “Se houver uma guerra de preços, a mais impactada deve ser a B2W, que tem 100% das operações online, enquanto as outras têm lojas físicas.”
Neste caso, não é você que escolhe a guerra — é a guerra que te escolhe. “Se o inimigo deixa uma porta aberta, precipitemo-nos por ela,” Sun Tzu — outro chinês que não veio ao mundo a passeio — ensinou na ‘Arte da Guerra.’
No mercado brasileiro, a porta aberta mais clara é o frete grátis. O ano passado foi uma aula de como os marketplaces são elásticos em relação ao preço do frete. Em julho do ano passado, o MELI endureceu sua política de frete grátis, o que alienou parte dos vendedores.
“O frete é o maior ofensor de conversão no ecommerce,” diz uma fonte. “O Bezos diz que o melhor investimento de marketing que ele fez foi o frete grátis.”
Alguns setores do mercado apostam que o MELI pode repetir o BABA.
Em julho passado, a Dynamo disse que o MELI estava mais barato do que no IPO. O Cougar não é infalível, mas acertou mais uma vez. Na época, a ação estava ao redor de US$ 370. Nos últimos oito meses, subiu 30% (em dólar).
A Goldman Sachs é assessor exclusivo do Mercado Livre nas conversas com o PayPal e o Dragoneer. Cleary Gottlieb é o assessor legal.
Goldman, JP Morgan e Morgan Stanley são joint bookrunners na oferta pública de ações.
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